Os impactos de curto e longo prazos da adoção do atual texto da reforma do setor elétrico.
- Eduardo Nicol
- 9 de mai.
- 4 min de leitura
Geração distribuída, armazenamento e a reforma do setor elétrico: por que frear um motor de alívio para o sistema?

Nos últimos anos, a geração distribuída solar (GD) no Brasil despontou como uma alternativa concreta para a descentralização energética, democratização do acesso à energia limpa e alívio estrutural sobre o sistema elétrico nacional. Impulsionada por avanços tecnológicos, incentivos regulatórios e tarifas crescentes de energia, a GD experimentou um crescimento explosivo. Entre 2013 e 2022, a capacidade instalada cresceu a uma taxa média superior a 230% ao ano, atingindo 25,8 GW até o final de 2023 – um marco alcançado com mais de 2,3 milhões de sistemas solares em funcionamento e mais de R$ 128 bilhões investidos por cidadãos, empresas e produtores rurais.
Nesse contexto, é preocupante que a nova proposta de reforma do setor elétrico – atualmente em discussão – traga medidas que, na prática, freiam esse ritmo virtuoso. Entre os principais pontos estão a antecipação do fim dos incentivos tarifários, a inclusão de encargos antes isentos e a exclusão da GD de certas modalidades de autoprodução, além da abertura total do mercado livre. Embora embasada na lógica da justiça tarifária e eficiência regulatória, essa proposta pode trazer efeitos colaterais expressivos para o sistema elétrico brasileiro, especialmente no que tange ao crescimento esperado do consumo de energia nos próximos anos, principalmente se considerarmos a demanda por energia que a IA e a eletrificação do planeta irão gerar.
Estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indicam que o consumo de eletricidade no Brasil deve crescer, em média, 3,5% ao ano até 2030, com a carga total superando 800 TWh/ano ao final da década. Esse aumento está atrelado à eletrificação da economia (incluindo transportes e climatização), reindustrialização e expansão do setor de serviços. Diante dessa perspectiva, o país precisará adicionar dezenas de gigawatts de capacidade nova para atender à demanda crescente – seja via usinas centralizadas ou descentralizadas.
É justamente nesse ponto que a GD solar assume um papel estratégico. Com seu crescimento atual, mesmo moderado, a GD já evita a construção de novas usinas, reduz perdas na transmissão e diminui a necessidade de reforços de rede – pois a energia é produzida próxima do consumo. Segundo a própria EPE, em cenários com incentivo à GD, a geração distribuída solar pode responder por até 17% da carga nova entre 2019 e 2030, contribuindo diretamente para o equilíbrio da oferta. Se mantida a trajetória acelerada de crescimento observada até 2022, a GD poderia ultrapassar os 60 GW de potência instalada em 2030, reduzindo significativamente a necessidade de investimentos em usinas centrais e grandes obras de infraestrutura.
Além disso, a próxima fronteira da transição energética está no fortalecimento da armazenagem de energia por meio de baterias, tanto no ambiente da GD quanto em sistemas centralizados. O incentivo à adoção de baterias em residências e comércios, por exemplo, permite que o consumidor realize arbitragem tarifária (armazenando energia nos horários mais baratos e utilizando nos mais caros), bem como controle de demanda, reduzindo a necessidade de expansão da rede e de usinas térmicas para atendimento de picos. Já em nível de distribuição, as baterias auxiliam na manutenção da tensão e frequência, tornando a rede mais estável e preparada para absorver volumes maiores de energia renovável intermitente. Isso SIM deveria estar sendo debatido e não medidas arbitrárias para travar um setor extremaente alinhado com o futuro econômico sustentável desse planeta
Nas usinas solares e eólicas de maior porte, o uso de sistemas de armazenamento transforma essas fontes em geração firme despachável, permitindo que participem ativamente do planejamento da operação do sistema interligado. Isso reduz a dependência de fontes fósseis para reserva de potência e viabiliza a substituição estrutural da energia térmica em vários momentos do dia. Portanto, integrar baterias à expansão da GD e das renováveis é acelerar a transição energética de forma segura, justa e alinhada às demandas ambientais e econômicas do planeta.
Não se trata de defender a manutenção de subsídios eternamente. Mas a maneira como se faz essa transição é fundamental. O setor elétrico brasileiro precisa de soluções que aumentem a eficiência sem desestimular a inovação e a descentralização. Cortar abruptamente o ímpeto da GD – e ignorar o papel das baterias – é abrir mão de ferramentas poderosas de apoio à expansão do sistema.
A geração distribuída e o armazenamento energético não representam apenas uma economia para a conta de luz do consumidor. Representam uma forma de distribuir riqueza, estimular cadeias produtivas locais, gerar empregos (mais de 1 milhão desde 2012), desafogar o sistema elétrico em tempos de demanda crescente e acelerar a descarbonização da matriz elétrica brasileira.
Por isso, é fundamental que o Congresso Nacional, ao debater a reforma do setor elétrico, considere não apenas a ótica contábil da tarifa, mas também a visão estratégica da GD com baterias como vetor de sustentabilidade, segurança energética e modicidade tarifária. Preservar o dinamismo desse ecossistema é garantir que o crescimento do consumo seja atendido com menos obras caras, menos combustíveis fósseis e mais protagonismo do cidadão e, principalmente, não travar o desenvolvimento econômico do país em linha com as novas tecnologias e demandas por energia. O contrário disso é - mais uma vez - nos manter com a eterna visão de que o Brasil é o país de um futuro que nunca chega, por falta de visão de quem o administra.
Eduardo Nicol é CEO da RENEW Energia no Brasil e CFO da SUN-I Solar Energy nos EUA, atuando no mercado de energias renováveis desde 2014 e com mais de 30 anos de experiência na condução de projetos complexos nos setores de telecomunicações e tecnologia da informação.
Os impactos de curto e longo prazos da adoção do atual texto da reforma do setor elétrico.
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