CURTAILMENT NO BRASIL: A QUEBRA DE CONTRATO SILENCIOSA E A URGÊNCIA DE SOLUÇÕES ESTRUTURAIS
- EnergyChannel Brasil
- há 3 dias
- 4 min de leitura
Por Arthur Oliveira
Acompanho com preocupação o avanço do curtailment no setor elétrico brasileiro. O que deveria ser uma exceção operacional tornou-se rotina.

O que era um instrumento de segurança virou um problema bilionário, ameaçando a viabilidade de projetos de energia renovável. O cenário é claro: estamos diante de uma quebra contratual silenciosa, onde geradores que cumpriram todas as obrigações são penalizados por falhas de infraestrutura que não lhes pertencem.
O paradoxo é evidente: o Brasil, dono de uma das matrizes mais limpas do mundo, desperdiça energia solar e eólica porque a infraestrutura de transmissão não acompanhou o ritmo de expansão da geração. Os cortes compulsórios determinados pelo ONS, embora necessários à estabilidade do sistema, revelam uma falha estrutural de planejamento que não pode ser repassada apenas aos geradores.
Defendo uma posição clara: os geradores devem ser remunerados. Os investidores cumpriram suas obrigações, obtiveram outorgas, conectaram-se à rede conforme os procedimentos e investiram bilhões de reais. O Estado, por meio de leilões e políticas de incentivo, prometeu um ambiente regulatório estável e não pode agora transformar um erro de planejamento em um “risco de negócio”.
O PARADOXO DA ABUNDÂNCIA: A DIMENSÃO DO CURTAILMENT NO BRASIL
Os dados ilustram a gravidade da crise. Em um cenário de abundância de recursos, o país é forçado a descartar uma parcela significativa de sua produção.
FONTE DE GERAÇÃO | CORTES TOTAIS (SET/2025) | DETALHAMENTO DOS CORTES | PRINCIPAIS ESTADOS AFETADOS | VOLUME DESPERDIÇADO (GW MÉDIOS) |
EÓLICA | 24,1% | 13,5% (Razões Energéticas) e 9,9% (Confiabilidade) | CE, RN, PE | 5,15 |
SOLAR | 36,4% | 22,9% (Razões Energéticas) e 11,3% (Confiabilidade) | BA, MG, PI | 1,88 |
Tabela 1 – Síntese dos dados de curtailment em setembro de 2025 (Fonte: FSET).
Entre 2022 e 2025, os cortes médios saltaram de 51 MWm para 3.256 MWm, um crescimento superior a 6.000%. As perdas acumuladas desde 2021 já superam R$ 6,9 bilhões, configurando o que alguns chamam de “apagão financeiro” das renováveis.
A RAIZ DO PROBLEMA: FALHA DE PLANEJAMENTO, NÃO DE GERAÇÃO
O curtailment não é excesso de geração, mas déficit de infraestrutura. A falha está na assimetria do planejamento setorial enquanto a capacidade de geração cresceu, as obras de transmissão e as subestações não acompanharam. A ausência de coordenação entre MME, EPE, ONS e CCEE agravou o descompasso entre a expansão da oferta e a capacidade da rede.
Devo citar que a inclusão da geração distribuída (GD) nos cortes de curtailment não resolverá o problema tampouco reduzirá o impacto sobre a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). A GD, por sua natureza pulverizada e conectada às redes de baixa tensão, não tem escala operacional para aliviar restrições sistêmicas de transmissão ou grandes sobrecargas na rede básica. Pelo contrário, aplicar curtailment à GD seria ineficaz, tecnicamente complexo e socialmente inviável.
A verdadeira solução passa pela revisão criteriosa dos benefícios econômicos concedidos à micro e minigeração distribuída, de forma a reduzir distorções e redistribuir os custos sistêmicos de maneira mais justa, sem comprometer a expansão sustentável do setor.
A experiência chinesa mostra o caminho: diante de 15% de curtailment, o país investiu US$ 88 bilhões por ano em transmissão, reduzindo o problema a menos de 3% em 2023. A lição é simples: geração e rede devem crescer juntas.
OS RISCOS CONTRATUAIS E O IMPACTO SOBRE O MERCADO LIVRE
No Brasil, o impacto não se limita aos geradores. O mercado livre de energia começa a sentir o reflexo do curtailment em contratos de longo prazo, especialmente nos casos de autoprodução e PPA corporativo.
A energia não entregue, ainda que por imposição do ONS, gera descasamento financeiro e ameaça a previsibilidade dos compromissos assumidos entre geradores e consumidores. Se o problema persistir, o país pode assistir a uma escalada de disputas judiciais e arbitragem, minando a confiança em um dos pilares da modernização do setor elétrico.
SOLUÇÕES TÉCNICAS: REMUNERAÇÃO VIA ESS E PROLONGAMENTO DE BENEFÍCIOS
O custo já existe a questão é quem deve arcá-lo. Defendo duas medidas de reequilíbrio:
Remuneração via Encargos de Serviços de Sistema (ESS): os ESS cobrem custos de segurança sistêmica. As usinas renováveis, ao serem obrigadas a parar para preservar o equilíbrio da rede, prestam um serviço ao sistema. Logo, o pagamento via ESS é justo e técnico, distribuindo o custo entre todos os beneficiários da estabilidade energética.
Prolongamento do período de benefícios das fontes incentivadas: estender o desconto de TUSD/TUST por mais tempo compensaria as perdas de receita dos geradores sem gerar impacto tarifário imediato, restaurando parcialmente o valor presente líquido (VPL) dos projetos.
CONCLUSÃO
A crise do curtailment é um problema de infraestrutura e regulação, não de geração. Persistir nessa situação significa punir quem investe e destruir a segurança jurídica do setor. O Brasil precisa adotar soluções estruturais como a remuneração via ESS e o prolongamento de benefícios e acelerar a expansão da rede.
De qualquer modo, alguém irá pagar a conta. Seja o Consumidor Livre através do aumento direto no preço do MWh ou através do Encargo de Serviços do Sistema.
Somente assim a abundância de energia limpa deixará de ser sinônimo de desperdício e passará a representar o verdadeiro potencial de desenvolvimento sustentável do país.
CURTAILMENT NO BRASIL: A QUEBRA DE CONTRATO SILENCIOSA E A URGÊNCIA DE SOLUÇÕES ESTRUTURAIS
Obrigado por compartilhar o artigo, parabéns Arthur.