top of page

Da promessa à estagnação: o que está travando a eólica brasileira?

Por Laís Víctor – Especialista em energias renováveis e Diretora executiva


Da promessa à estagnação: o que está travando a eólica brasileira?
Da promessa à estagnação: o que está travando a eólica brasileira?

A energia eólica se consolidou como uma das principais forças da matriz elétrica brasileira. Limpa, competitiva e abundante especialmente nas regiões Nordeste e Sul ela passou de promessa tecnológica a pilar da geração nacional. Hoje, responde por cerca de 12% da energia gerada no país, segundo a ABEEólica, com mais de 30 GW de capacidade instalada, o que coloca o Brasil entre os cinco maiores produtores mundiais de energia eólica onshore.


A combinação de fatores naturais como os ventos constantes e previsíveis do semiárido nordestino com avanços tecnológicos e redução de custos transformou os parques eólicos em destinos prioritários para investimentos nacionais e internacionais. De acordo com a IRENA (Agência Internacional de Energia Renovável), o setor eólico brasileiro já emprega mais de 60 mil pessoas diretamente e movimenta bilhões de reais em cadeias produtivas locais, da fabricação de pás e torres à operação e manutenção dos parques.


Entre o vento e o veto: os entraves que freiam a energia eólica


Mas, nos últimos meses, o setor enfrenta uma tempestade que não vem do clima vem da política. Declarações polêmicas de órgãos ambientais, entraves na regulamentação federal, projetos de lei estaduais que restringem a instalação de turbinas em zonas litorâneas ou dunas, além de ações judiciais envolvendo comunidades tradicionais, têm criado um ambiente de insegurança jurídica que afeta diretamente a previsibilidade dos negócios.


Em 2023, por exemplo, o IBAMA travou o licenciamento de diversos projetos offshore, alegando a ausência de um marco regulatório claro. A fala do então presidente do órgão, Rodrigo Agostinho “o litoral brasileiro não comporta novos projetos eólicos sem regulação clara” acendeu um alerta no setor. Em paralelo, estados como Ceará e Rio Grande do Norte, referências em expansão eólica, passaram a discutir legislações que criam zonas de exclusão, com o argumento de preservar ecossistemas e proteger comunidades tradicionais.


Embora as preocupações ambientais sejam legítimas e devam ser consideradas com seriedade, a ausência de um espaço institucional claro para mediação entre os interesses públicos, privados e sociais tem levado à paralisação de projetos, atrasos em investimentos e retração de capital estrangeiro. Um estudo da BloombergNEF (2023) alertou que o Brasil corre risco de perder competitividade em energia eólica offshore, caso não avance com segurança regulatória até 2025.


Tudo isso levanta uma pergunta incômoda, mas necessária: a energia eólica está sob ataque? Não por questões técnicas ou econômicas, mas por uma fricção política crescente que coloca em lados opostos governos, investidores e comunidades sem um processo de diálogo estruturado que alinhe a urgência da transição energética às exigências de proteção ambiental e social.


O risco da insegurança regulatória

Projetos eólicos, especialmente os offshore, envolvem investimentos vultosos, prazos longos de maturação e riscos elevados. São empreendimentos que exigem contratos de duas ou três décadas, financiamento estruturado e estabilidade institucional. Por isso, a previsibilidade regulatória é mais do que desejável é um requisito básico para viabilidade. Segundo a BloombergNEF (2024), o Brasil tem um potencial técnico estimado em mais de 700 GW de geração eólica offshore, principalmente na costa nordestina, o equivalente a mais de quatro vezes a capacidade instalada de toda a matriz elétrica brasileira atual. Ainda assim, esse potencial permanece em grande parte inexplorado devido à ausência de um marco regulatório federal claro.


O impasse começa com a minuta de decreto que regulamenta a atividade eólica offshore, parada desde 2022 na Casa Civil. Sem ela, não há diretrizes definitivas sobre licenciamento ambiental, cessão de áreas marinhas, critérios de prioridade ou modelos de leilão. Isso gera insegurança entre investidores, dificulta a estruturação de financiamentos e, na prática, paralisa a cadeia de fornecimento e planejamento.


Enquanto isso, países como Reino Unido, Dinamarca e Estados Unidos avançam com regulações robustas que integram licenciamento ambiental, planejamento espacial marinho, leilões dedicados e garantias contratuais de longo prazo. O Reino Unido, por exemplo, realizou cinco rodadas de leilões offshore desde 2015 e já tem mais de 14 GW em operação. Os EUA, através do Bureau of Ocean Energy Management (BOEM), já concederam diversas áreas para projetos na costa leste, com suporte regulatório estruturado e metas claras até 2030.


A cada ano de atraso, o Brasil perde não apenas investimentos potenciais, mas também a oportunidade de se consolidar como líder global em eólica offshore, aproveitando seu litoral extenso e ventos de alta qualidade. A insegurança regulatória não está apenas travando projetos está deslocando capital para mercados mais organizados, enfraquecendo a competitividade do setor e comprometendo metas de transição energética.



Ambientalismo versus transição?

A tensão entre a urgência da transição energética e a preservação ambiental é real mas precisa ser tratada com mais racionalidade e menos polarização. De um lado, a crise climática exige ação rápida, coordenada e estruturada para substituir combustíveis fósseis por fontes renováveis. De outro, os impactos socioambientais da instalação de grandes empreendimentos, mesmo limpos, não podem ser negligenciados. A resposta não está em escolher um lado, mas em construir soluções que articulem as duas urgências.


Estudos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) deixam claro: o ritmo da substituição de fontes fósseis será determinante para limitar o aquecimento global a 1,5°C. Nesse cenário, a energia eólica é peça-chave não apenas por sua baixa emissão de carbono, mas pela maturidade tecnológica, escala e competitividade. No caso do Brasil, isso se soma a uma vantagem natural: ventos de alta qualidade, constantes e previsíveis, sobretudo no Nordeste.


Apesar disso, há um crescente movimento de judicialização e rejeição a projetos eólicos, especialmente em áreas litorâneas, dunas e territórios ocupados por comunidades tradicionais. Muitos desses questionamentos têm base legítima especialmente quando há ausência de diálogo, falhas em processos de consulta prévia e impactos não mitigados sobre modos de vida locais. No entanto, transformar o licenciamento em um campo de conflito permanente desacelera a transição e transmite um sinal negativo ao mercado.


O desafio é construir uma governança ambiental que seja técnica, transparente e eficaz. Que proteja o território, sim, mas sem transformar a transição energética em um processo paralisado por insegurança jurídica. Isso exige qualificar o debate público, com base em dados e ciência, e não em discursos genéricos. Exige ouvir as comunidades desde a fase de concepção dos projetos, garantindo que elas sejam parte da decisão, e não apenas impactadas no final. E exige, acima de tudo, que o licenciamento ambiental seja criterioso, mas viável, com regras claras, salvaguardas sociais aplicáveis e cronogramas compatíveis com a urgência climática.


Não se trata de flexibilizar a proteção ambiental. Trata-se de reconhecer que a própria natureza está em risco se a transição não acontecer. E que retardar projetos eólicos estratégicos, por ausência de marcos legais ou mediação institucional, é desperdiçar uma oportunidade concreta de reduzir emissões, gerar emprego e descentralizar o acesso à energia limpa.



Potência não aproveitada é oportunidade perdida

O Brasil reúne uma combinação rara e valiosa de atributos para liderar a transição energética global. Com um dos melhores regimes de ventos do mundo especialmente no semiárido nordestino, onde a constância e previsibilidade dos ventos permite alta eficiência na geração o país já consolidou a energia eólica como parte fundamental de sua matriz elétrica. Segundo a ABEEólica, o Brasil ultrapassou 30 GW de capacidade instalada em 2024, respondendo por cerca de 12% da geração nacional. Esses números colocam o país entre os cinco maiores produtores de energia eólica onshore do mundo, à frente de diversas economias desenvolvidas.


Mais do que uma conquista energética, essa expansão representa uma oportunidade econômica concreta. A energia eólica impulsiona cadeias produtivas locais, atrai investimentos nacionais e estrangeiros, gera empregos qualificados e reduz a dependência de fontes fósseis e termelétricas caras e poluentes. De acordo com a IRENA (Agência Internacional de Energia Renovável), o setor eólico brasileiro emprega diretamente mais de 60 mil pessoas e movimenta bilhões de reais por ano em equipamentos, engenharia, operação e serviços.


No entanto, essa potência começa a ser desperdiçada por fatores que não são técnicos, mas políticos e institucionais. A ausência de um marco regulatório claro para a eólica offshore, por exemplo, trava projetos de grande escala que poderiam posicionar o Brasil como um dos líderes globais em geração no mar. Segundo a BloombergNEF, o potencial técnico da eólica offshore brasileira ultrapassa 700 GW, mas permanece inexplorado por falta de regulamentação, planejamento espacial marinho e definição de regras de concessão.


Simultaneamente, a judicialização de projetos onshore, muitas vezes motivada por lacunas em processos de consulta prévia ou disputas territoriais, tem atrasado licenças e encarecido empreendimento. Em estados como Ceará e Rio Grande do Norte onde o setor mais cresceu surgem novas legislações que restringem áreas de instalação, muitas vezes sem articulação técnica com o planejamento energético nacional.


O resultado é um cenário paradoxal: temos vento, tecnologia, capital e demanda crescente por energia limpa, mas não temos um ambiente institucional à altura desse potencial. Falta coordenação entre os níveis federal, estadual e municipal. Falta clareza sobre os papéis de cada órgão. E, principalmente, falta uma visão de longo prazo que enxergue a energia eólica como parte de uma política de Estado, e não como uma disputa pontual entre setores.


Enquanto isso, países como Reino Unido, Holanda, Dinamarca e Estados Unidos têm avançado com regulações integradas, leilões específicos e planejamento territorial para impulsionar a eólica offshore e modernizar suas matrizes. Mesmo com menos recurso natural, têm mais estabilidade regulatória e isso pesa na decisão de qualquer investidor sério.


É preciso reconhecer: não basta ter recurso renovável, é preciso saber governá-lo. O Brasil pode e deve ser protagonista na transição energética global, mas isso exige decisões estruturantes, segurança jurídica e um esforço coordenado para remover os entraves que travam o avanço da energia eólica. Do contrário, seguimos desperdiçando uma das maiores vantagens comparativas da nossa matriz elétrica e comprometendo nossa credibilidade como destino para investimentos sustentáveis.


Liderança exige coerência entre discurso e ação


Vejo com preocupação esse desalinhamento entre o discurso político e a realidade regulatória que enfrentamos. A transição energética não se constrói com slogans ou intenções ela exige decisões técnicas bem fundamentadas, planejamento territorial sensível aos contextos locais, segurança jurídica e governança participativa. E a energia eólica é um eixo central dessa transformação.


A pergunta que o país precisa encarar, com urgência, é simples e estratégica: estamos usando a política para destravar o futuro ou para emperrá-lo? O que está em jogo não é apenas o avanço da energia eólica é a credibilidade do Brasil como destino seguro para investimentos sustentáveis, é o ritmo da descarbonização da economia e, sobretudo, é a coerência entre o que prometemos ao mundo e o que entregamos em casa.


Sobre a autora 

Laís Víctor é especialista em energias renováveis e diretora executiva de parcerias, com 14 anos de atuação no setor de energia. Sua atuação inclui o desenvolvimento de negócios, estruturação de alianças estratégicas e apoio à atração de investimentos para projetos de transição energética, com foco na construção de ecossistemas sustentáveis e inovação no mercado global de renováveis. 


Da promessa à estagnação: o que está travando a eólica brasileira?

3 comentários

Avaliado com 0 de 5 estrelas.
Ainda sem avaliações

Adicione uma avaliação
Oséas Oliveira
23 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Parabéns por abordar esse tema, Laís. O debate não precisa ser um confronto entre preservação ambiental e transição energética. A solução passa por criar espaços institucionais de diálogo, baseados em dados e ciência, que conciliem urgência climática com proteção social e ambiental.

Editado
Curtir

Taisa Alves
22 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Ótimo artigo. Projetos de energia, especialmente os eólicos offshore, exigem previsibilidade e estabilidade para atrair investimentos. Sem um marco regulatório claro, corremos o risco de perder competitividade para países que já estão avançando com segurança jurídica e planejamento territorial.

Curtir

Ravitech Projetos
22 de set.
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Parabéns pelo artigo, Laís. O Brasil tem uma das maiores riquezas naturais do mundo em ventos de alta qualidade, mas seguimos sem aproveitar todo esse potencial por entraves regulatórios e institucionais. Precisamos transformar a energia eólica em política de Estado, com visão de longo prazo e governança sólida.

Curtir
Foxess-300x300-1.gif
Solis-300x300-1.gif
SOLUÇÕES PARA FIXAÇÃO (715 x 115 px) (120 x 600 px).gif
120x600.gif
Brazil_Web-Banner_120 × 600.gif
120x600 Thopen.gif
120 × 600.gif
EnergyChannel
EnergyChannel Brasil

Canal Internacional
Correspondentes dedicados em cada nação.

Nossos Serviços:
  • Presença digital abrangente em 10 países, com site e aplicativo
  • Transmissão de TV e WEBTV Internacional
  • Anuário de Inovações Energéticas Internacional
  • EnergyChannel Academy

Nossos canais:
Global
China
Itália
México
Brasil
Índia
França
Alemanha
Estados Unidos
Coreia do Sul  

Acompanhe-nos para se manter informado sobre as últimas inovações e tendências no setor energético!
Central de Relacionamento

Telefone e WhatsApp
+55 (11) 95064-9016
 
E-mail
info@energychannel.co
 
Onde estamos
Av. Francisco Matarazzo, 229 - conjunto 12 Primeiro Andar - Bairro - Água Branca | Edifício Condomínio Perdizes Business Center - São Paulo - SP, 05001-000
QuiloWattdoBem
Certificações
Empresa associada ao QuiloWattdoBem
www.quilowattdobem.com.br
Saiba Mais

Quem Somos

Guia do Consumidor

Assinatura


Fale Conosco

Ajuda


Mapa do Site
Links Relacionados

Notícias

Sustentabilidade

Energia Renovável


Mobilidade Elétrica

Hidrogênio

Armazenamento de Energia

​​

EnergyChannel Group - Especializada em notícias sobre fontes renováveis

Todos os direitos reservados. |  Av. Francisco Matarazzo, 229 - conjunto 12 Primeiro Andar - Bairro - Água Branca | Edifício Condomínio Perdizes Business Center - São Paulo - SP, 05001-000

bottom of page