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O CURTAILMENT NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: ENTENDENDO AS LIMITAÇÕES ESTRUTURAIS

Por Arthur Oliveira


O Setor Elétrico Brasileiro, percebo está atravessando uma fase de transformação acelerada, impulsionada pela expressiva expansão das fontes renováveis variáveis, especialmente eólica e solar. Sob meu ponto de vista, essa transição é essencial para consolidar uma matriz energética mais sustentável, mas, infelizmente, expõe gargalos estruturais que se refletem no fenômeno do curtailment, ou restrição/corte da geração de energia.


O CURTAILMENT NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: ENTENDENDO AS LIMITAÇÕES ESTRUTURAIS
O CURTAILMENT NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: ENTENDENDO AS LIMITAÇÕES ESTRUTURAIS

Entendo que o curtailment não é apenas um problema conjuntural, mas sim um sintoma claro da defasagem entre a capacidade de geração e a infraestrutura de transmissão. Seus impactos se refletem diretamente na segurança operacional e na eficiência econômica do Sistema Interligado Nacional (SIN). Para ilustrar, em agosto de 2024, os cortes de geração renovável atingiram 26,4% da energia que poderia ter sido gerada, enquanto a fonte solar sofreu perdas de 37,9% em diversos estados. Destaco que, sob minha perspectiva, o problema central não reside nas fontes renováveis, mas na evidente falta de planejamento e investimentos adequados em transmissão.


Além disso, os prejuízos financeiros decorrentes do curtailment têm sido substanciais para os geradores e comercializadores de energia. Entre janeiro de 2024 e janeiro de 2025, as perdas financeiras associadas à energia renovável não despachada ultrapassaram R$ 2 bilhões, refletindo a crescente recorrência do fenômeno. Essa transição de um problema pontual para um desafio estrutural levou os operadores a incorporarem projeções de curtailment entre 2% e 10% nos modelos de viabilidade de projetos. Esses cortes, que afetaram principalmente a região Nordeste, comprometeram contratos no mercado livre e aumentaram a incerteza no retorno sobre investimentos. Empresas como Voltalia, Engie Brasil Energia, SPIC Brasil, Auren Energia, CPFL Energia, Echoenergia, Alupar entre outras foram particularmente afetadas pelo curtailment em 2024, sofrendo perdas significativas em suas operações e enfrentando impactos financeiros relevantes devido às restrições de geração impostas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).


O CURTAILMENT E SEUS IMPACTOS QUANTIFICADOS


O curtailment, ou “corte”, consiste na redução deliberada da produção de energia elétrica por usinas geradoras, mesmo quando estas possuem capacidade plena. Além de limitar a integração de fontes renováveis ao sistema, o curtailment impõe impactos financeiros significativos aos geradores. Quando ocorre o corte de geração, os produtores precisam adquirir a quantidade equivalente de energia no Mercado de Curto Prazo (MCP) para cumprir suas obrigações contratuais, a preços definidos pelo Preço de Liquidação das Diferenças (PLD). Além disso, os cortes recorrentes afetam a média anual de geração das usinas eólicas e solares, levando à degradação de suas garantias físicas, atualmente suspensas.


No Brasil, o foco está no Nordeste, especialmente nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia, que lideram em número de cortes. Ressalto que a causa central não é a intermitência dessas fontes, mas sim a limitação da infraestrutura de transmissão, que impede que a energia seja escoada adequadamente para os centros de consumo ou outras regiões do Sistema Interligado Nacional (SIN).


O CURTAILMENT NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: ENTENDENDO AS LIMITAÇÕES ESTRUTURAIS
O CURTAILMENT NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO: ENTENDENDO AS LIMITAÇÕES ESTRUTURAIS

 

O Gráfico acima ilustra o curtailment da geração solar no Brasil no período de abril a dezembro de 2024. Observa-se um aumento constante na quantidade de geração fotovoltaica restringida, com destaque para as regiões Sudeste e Centro-Oeste, que foram particularmente afetadas durante os períodos de maior incidência solar. Em diversos momentos, os valores de corte superaram 300 MWmed, refletindo limitações sistêmicas na capacidade de gerenciamento do excedente de energia durante as horas centrais do dia.


Causas Estruturais e Operacionais

  1. Defasagem na Expansão da Transmissão: Observando o panorama, verifico que a expansão da capacidade de geração, impulsionada pelos leilões de energia e pelo crescimento da Micro e Minigeração Distribuída (MMGD), tem superado o ritmo de ampliação e reforço da rede de transmissão. O ONS informa que a MMGD já ultrapassou 38 GW de capacidade instalada e projeta atingir 58 GW até 2029, operando sem supervisão direta, o que, a meu ver, adiciona complexidade significativa à estabilidade do SIN.

  2. Restrições de Confiabilidade: Eventos como a perturbação de 15 de agosto de 2023 evidenciaram vulnerabilidades. Percebo que o desempenho de usinas eólicas e solares durante contingências ficou aquém do previsto nos modelos matemáticos, obrigando o ONS a ajustar os limites de intercâmbio entre regiões para garantir a segurança operacional. Essa medida, embora necessária, aumentou o curtailment por confiabilidade, especialmente no Nordeste.

  3. Superoferta Localizada: Em determinadas regiões, como o Nordeste, a concentração de usinas renováveis gera produção acima da demanda local e da capacidade de escoamento das linhas de transmissão. Observo que essa energia, embora disponível, não pode ser injetada no SIN, resultando em cortes significativos. Em agosto de 2024, os cortes de geração renovável atingiram 26,4%, com a fonte solar registrando perdas de 37,9%, e em alguns estados, reduções superiores a 40%.

  4. Inadequação dos Modelos de Usinas: Avalio que a discrepância entre o desempenho real das usinas e os modelos matemáticos fornecidos pelos agentes geradores causou impactos expressivos. Nos leilões de transmissão de 2023 e 2024, com investimentos de R$ 37,4 bilhões e R$ 18,0 bilhões, respectivamente, não foram previstos reforços específicos para lidar com problemas de estabilidade de tensão, pois esses desafios não haviam sido identificados na modelagem disponível.


O curtailment provoca perdas financeiras expressivas para os geradores, que deixam de comercializar a energia produzida. Entendo que isso representa também desperdício de recursos energéticos e compromete a atratividade de novos investimentos em fontes renováveis. Apenas 2% dos cortes são efetivamente compensados financeiramente, mesmo em casos de indisponibilidade externa, devido a limitações regulatórias e franquias horárias anuais.


É inegável que o crescimento da capacidade instalada de usinas eólicas, fotovoltaicas e, principalmente, MMGD no SIN foi expressivo. Em agosto de 2023, o SIN contava com cerca de 60 GW dessas três fontes. Desde então, o crescimento conjunto foi de aproximadamente 30 GW, representando um aumento de 50% em fontes variáveis, concentrado majoritariamente na região Nordeste e acima do crescimento da carga do SIN no mesmo período.


SMART GRIDS, BESS E A URGÊNCIA DOS INVESTIMENTOS EM TRANSMISSÃO


A solução para o curtailment não se restringe à construção de novas linhas de transmissão, mas envolve também a modernização da infraestrutura existente com tecnologias avançadas, como as Smart Grids. Essas redes inteligentes permitem integrar geração, transmissão, distribuição e consumo, monitorando e controlando o fluxo de energia em tempo real. Dessa forma, é possível direcionar a energia de maneira mais eficiente, equilibrando oferta e demanda, e gerenciar a MMGD, que atualmente opera sem supervisão direta do ONS. Infelizmente, essa solução ainda é economicamente cara e inviável.


Os sistemas de armazenamento por baterias, conhecidos como BESS (Battery Energy Storage Systems), oferecem maior flexibilidade ao sistema, permitindo reduzir a necessidade de termelétricas e absorver excedentes de geração renovável. Embora ainda não sejam totalmente economicamente viáveis, as projeções indicam que se tornarão verdadeiramente sustentáveis em cerca de quatro ou cinco anos, contribuindo para a mitigação do curtailment.


Apesar dessas tecnologias emergentes, o caminho mais imediato e econômico é o investimento em linhas de transmissão que interliguem os submercados, permitindo o escoamento eficiente da energia. A limitação atual do sistema não está na geração, mas na capacidade de escoamento. Estudos da EPE e do ONS indicam reforços essenciais para acomodar o crescimento das renováveis e manter a segurança do SIN.


A implementação de Smart Grids e a expansão das linhas de transmissão exigem planejamento de longo prazo e investimentos robustos. A ausência de sinais de preço estruturais e a baixa remuneração da flexibilidade dificultam o investimento privado. Cabe ao Ministério de Minas e Energia (MME) e à ANEEL criar um ambiente regulatório estável, com segurança jurídica e previsibilidade, atraindo capital para modernização do setor.


ASPECTOS REGULATÓRIOS E A COMPENSAÇÃO DO CURTAILMENT


Considero que a regulamentação do curtailment e a compensação financeira aos geradores são temas de intenso debate no setor elétrico. É fundamental destacar que curtailment e constrained-off não são sinônimos: o curtailment ocorre por limitações estruturais ou econômicas e não gera ressarcimento, enquanto o constrained-off, regulamentado pela RN 1.030/2022 da ANEEL, refere-se a cortes impostos pelo ONS para garantir a segurança e confiabilidade do SIN, sendo passível de compensação financeira.


A RN 1.030/2022 estabelece regras para compensação, dividindo os cortes em categorias. Contudo, percebo que apenas uma pequena fração dos cortes é efetivamente compensada financeiramente, o que gera imprevisibilidade e desestimula novos investimentos. Na minha avaliação, o setor deveria simplificar as categorias de corte e definir claramente a responsabilidade pela confiabilidade elétrica entre geradores e consumidores, promovendo maior previsibilidade e reduzindo disputas regulatórias. Além disso, a ausência de desenho técnico robusto e sinais de preço adequados impede que os agentes invistam de forma eficiente. A regulamentação precisa abordar esses pontos para garantir otimização, eficiência e segurança do SIN.


Nesse contexto, enxergo a emenda proposta pelo Deputado Arnaldo Jardim à Medida Provisória nº 1.300/2025 como uma excelente alternativa para reduzir os prejuízos do curtailment. Infelizmente, não foi incorporada no parecer final do relator da MP. A proposta permitiria que os agentes de geração fossem compensados por perdas financeiras comprovadas decorrentes de cortes motivados por restrições operativas, por meio de mecanismo concorrencial centralizado, operacionalizado pela CCEE, com validação e certificação da ANEEL. Os títulos representativos das perdas financeiras poderiam ser utilizados pelo comprador para estender o prazo da outorga do empreendimento participante do MRE, limitado a sete anos, e a cessão desses títulos implicaria a renúncia a quaisquer reivindicações judiciais ou administrativas sobre as perdas. Eventuais valores excedentes seriam destinados à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).


CONCLUSÃO

O Sistema Elétrico enfrenta desafios estruturais significativos na infraestrutura de transmissão, que limitam o aproveitamento pleno do potencial das fontes renováveis. O curtailment é consequência direta da defasagem entre geração e capacidade de escoamento.


Entendo que a modernização da rede por meio de Smart Grids, a adoção gradual de BESS e, sobretudo, investimentos robustos em transmissão são essenciais para garantir segurança, confiabilidade e eficiência do SIN. A atuação coordenada do MME, ANEEL, ONS, EPE e agentes privados é fundamental para criar um ambiente regulatório estável e atrativo para investimentos, viabilizando a expansão necessária da infraestrutura elétrica.

Somente com planejamento, investimentos e regulação adequados, acredito que o Brasil poderá se consolidar como líder na transição energética global, aproveitando plenamente seu vasto potencial em energia limpa e sustentável.


Fonte:

- ONS. Diagnóstico e Perspectiva da Evolução dos Cortes de Geração no Brasil. GT Cortes de Geração, Maio de 2025.

- ONS. Relatório Executivo do Programa Mensal de Operação. PMO Setembro 2025.

- ONS – OPERADOR NACIONAL DO SISTEMA ELÉTRICO. Conjunto de dados públicos: restrição de geração por curtailment (constrained-off).

- ANEEL – AGÊNCIA NACIONAL DE ENERGIA ELÉTRICA. Resolução Normativa nº 1.030, de 26 de julho de 2022. Dispõe sobre os procedimentos para apuração e pagamento de restrição de operação por Constrained-off de usinas eólicas e solares.


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