Parceria em minerais críticos e estratégicos entre Brasil e Alemanha
- Janayna Bhering Cardoso
- há 1 dia
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Oportunidades, Desafios e Caminhos para a Criação Conjunta de Valor Resiliente
Por M.Sc. Janayna Bhering, Especialista em Inovação e membro do Comitê Brasileiro do World Energy Council e Dr. Marc Bovenschulte Bovenschulte, Institute for Innovation and Technology (iit)

A transição global para uma economia neutra em carbono exige não apenas inovação tecnológica, mas também acesso seguro a matérias-primas estrategicamente críticas. Os elementos de terras raras (ERRs, um grupo de 17 elementos metálicos) são centrais para essa transformação. Eles são a base de inúmeras tecnologias-chave, desde ímãs permanentes em turbinas eólicas e motores elétricos até baterias de alto desempenho, semicondutores e óptica de precisão. A demanda por ERRs tende a crescer exponencialmente com o avanço da descarbonização.
O Brasil possui cerca de 20 milhões de toneladas em reservas estimadas de terras raras, principalmente nos estados de Minas Gerais, Goiás e Amazonas. Apesar do potencial, menos de 2% da produção mundial de terras raras ocorre no Brasil. Há iniciativas pontuais de extração (como em Araxá-MG) e pesquisas lideradas por instituições como o CETEM, USP e UFMG, mas a lacuna está no refino e na aplicação industrial.
As terras raras são críticas para a expansão da indústria de mobilidade elétrica, energia eólica, armazenamento de energia e tecnologias da Indústria 4.0, todas alinhadas à Neoindustrialização defendida pelo Governo Federal brasileiro e ao Plano Nova Indústria Brasil. A criação de cadeias produtivas locais também está alinhada à política de conteúdo local, à Política Nacional de Mineração e aos programas do BNDES e Finep para semicondutores e materiais críticos.
Nesse contexto, o Brasil, como país rico em recursos e com depósitos geológicos substanciais, passa a receber maior atenção da política industrial e comercial europeia. A Alemanha e a União Europeia continuam altamente dependentes da importação desses recursos críticos — atualmente, mais de 90% das terras raras refinadas vêm da China, que também detém uma posição quase monopolista nas etapas posteriores do processamento. Esse domínio vai além da mineração, incluindo capacidades de refino e produção de bens intermediários.
Aqui reside um dos principais desafios: embora o Brasil possua reservas extraíveis, atualmente carece de infraestrutura de refino suficiente. Assim, desenvolver capacidade local de processamento, junto à transferência de conhecimento tecnológico e regulatório, é prioridade para viabilizar uma parceria sustentável.
Uma parceria Brasil – Alemanha em matérias-primas focada em terras raras tem grande potencial desde que vá além da segurança de fornecimento no curto prazo e abrace a criação conjunta de valor, padrões de sustentabilidade e apoio à inovação. Essa estratégia exige o desenvolvimento de cadeias de suprimento integradas: desde a exploração geológica e extração ambientalmente responsável até a aplicação industrial. Ao mesmo tempo, é fundamental que as salvaguardas sociais e ambientais sejam transparentes e vinculantes, para mitigar resistências locais e riscos geopolíticos. Essa proposta dialoga com o Critical Raw Materials Act da UE, o Global Gateway, e iniciativas do G7 para segurança mineral. Pode ser uma alternativa concreta à dependência da China, dentro do contexto do reshoring / friendshoring de cadeias estratégicas.
Elementos-chave para uma Parceria Estratégica incluem:
1. Estabelecimento de centros binacionais de excelência em tecnologias de exploração e extração, incluindo monitoramento ambiental e modelagem digital de depósitos.
2. Apoio ao desenvolvimento de capacidade de refino no Brasil por meio de parcerias de investimento direcionadas, transferência de tecnologia e cooperação regulatória.
3. Facilitação de contratos de fornecimento de longo prazo entre atores industriais dos dois países para garantir cadeias estáveis e reduzir a volatilidade.
4. Introdução de padrões conjuntos de sustentabilidade (por exemplo, baseados nos critérios da UE para materiais críticos e estratégicos), fomentando cadeias transparentes e compatíveis com ESG.
5. Reforço da pesquisa bilateral e dos esforços de inovação em substituição de materiais, reciclagem e tecnologias de processamento avançadas por meio de programas dedicados.
6. Institucionalização de um diálogo estratégico sobre matérias-primas em nível governamental, apoiado por uma rede de empresas, instituições acadêmicas e representantes da sociedade civil.
Construir uma parceria resiliente em matérias-primas entre Alemanha (e a União Europeia) e Brasil requer mais do que intenção política e interesse comercial. Exige uma estratégia de inovação integrada. O desafio não está apenas no acesso aos recursos geológicos, mas na concepção de cadeias de valor robustas, sustentáveis e tecnologicamente soberanas. Isso só será possível por meio de um compromisso conjunto com o co desenvolvimento, e não com uma abordagem limitada à exportação e importação.
Uma estrutura binacional de aconselhamento focada em governança da inovação, transferência de tecnologia e estratégia industrial sustentável pode funcionar como base operacional e estratégica conectando a disponibilidade de recursos à transformação industrial. Esta estrutura atuaria como plataforma integrada para coordenação de políticas, cooperação tecnológica e criação de valor sustentável no setor de terras raras.
No nível estratégico, serviria como fórum para planejamento conjunto de cenários e alinhamento de políticas públicas. Exercícios regulares de prospectiva e definição de roteiros tecnológicos ajudariam ambos os lados a antecipar tendências de mercado, mudanças geopolíticas e inovações emergentes. Essa inteligência estratégica compartilhada garantiria que políticas nacionais — como a agenda de desenvolvimento mineral do Brasil e a Estratégia Alemã de Matérias-Primas Críticas — evoluam de forma complementar e reforçada mutuamente.
Um segundo eixo central seria a facilitação da cooperação tecnológica e em inovação. As terras raras fazem parte de cadeias de valor altamente complexas e intensivas em tecnologia. O órgão consultivo apoiaria programas bilaterais de P&D, projetos-piloto e iniciativas de transferência tecnológica, com foco em métodos sustentáveis de extração, tecnologias avançadas de separação e refino, além de novas abordagens de reciclagem e substituição. Atuaria como ponto de articulação entre institutos de pesquisa aplicada, inovadores do setor privado e startups, promovendo ecossistemas de inovação com relevância nacional e competitividade internacional.
O desenvolvimento de capital humano seria outra prioridade essencial. A transição da extração mineral para o processamento e a manufatura de maior valor agregado exige competências especializadas nos campos geológico, metalúrgico e regulatório. A plataforma consultiva promoveria treinamentos técnicos, intercâmbios profissionais e programas educacionais conjuntos para fortalecer as capacidades da força de trabalho em ambos os países. Isso incluiria capacitação em conformidade ESG, digitalização de processos e princípios de economia circular, apoiando o desenvolvimento industrial de longo prazo no Brasil e reduzindo a dependência de importações na Alemanha.
Fortemente associado a isso está a necessidade de cooperação regulatória e harmonização de normas. A estrutura consultiva criaria um espaço de diálogo bilateral sobre regulamentações ambientais, trabalhistas e de sustentabilidade, visando garantir compatibilidade com os requisitos do mercado europeu em especial os estabelecidos no EU Critical Raw Materials Act e seus mecanismos associados de diligência devida. Com isso, ajudaria os produtores brasileiros a acessar mercados globais e a ter papel ativo na definição de padrões regulatórios internacionais.
A facilitação de investimentos e estruturação de projetos formaria outro pilar do mandato da estrutura consultiva. O setor de terras raras é intensivo em capital e de ciclo longo, exigindo não apenas certeza geológica, mas também estabilidade regulatória e governança confiável. O órgão consultivo poderia desempenhar papel crítico na identificação de empreendimentos promissores, realização de avaliações técnicas independentes e apoio à estruturação de contratos de fornecimento de longo prazo entre produtores e usuários industriais. Isso proporcionaria maior segurança aos investidores e fomentaria cadeias de valor integradas e transnacionais.
Por fim, a estrutura deveria priorizar a participação inclusiva dos stakeholders.
A extração e o processamento de recursos inevitavelmente têm impactos sociais e ambientais, especialmente sobre comunidades locais e indígenas. A plataforma consultiva deve, portanto, incluir representantes da sociedade civil, organizações trabalhistas e grupos ambientais, garantindo transparência, equidade e processos decisórios participativos. Somente com base em amplo apoio social a parceria poderá alcançar a legitimidade e a durabilidade necessárias.
Em resumo, uma estrutura binacional de inovação e aconselhamento não apenas reagiria às dinâmicas de mercado, mas atuaria ativamente na construção das condições necessárias para uma cadeia de valor em terras raras sustentável e soberana.
Ao integrar visão de futuro, apoio à inovação, diálogo regulatório e coordenação multinível, essa estrutura ofereceria a inteligência estratégica e a capacidade operacional necessárias para transformar interesses compartilhados em uma parceria resiliente e orientada para o futuro.
Em um cenário de disputa geopolítica por insumos críticos, o verdadeiro diferencial estratégico não está apenas no acesso às reservas, mas na capacidade de inovar juntos, com valor agregado, sustentabilidade e soberania tecnológica. Uma aliança Brasil-Alemanha baseada em codesenvolvimento pode se tornar um modelo global de cooperação estratégica.
Parceria em minerais críticos e estratégicos entre Brasil e Alemanha