Quando o Consumidor Residencial Deixa de Ser Carga e Passa a Ser Ativo do Sistema
- Felipe Figueiró

- há 8 horas
- 3 min de leitura
Vem ano e passa ano e sempre temos uma discussão popular sobre eficiência energética onde acaba tendo um certo ar de diferença, a insistência em olhar para o consumo somente pela ótica do bolso. E a maioria das pessoas vai lembrar da fala “Tire a TV da tomada para economizar”. Se chegarmos no ponto de vista microeconômico, o conselho vai ser tecnicamente correto, mas no geral irrelevante. Cortar 1,5 W não muda a vida financeira de ninguém.

O grande problema disso tudo é focar justamente na irrelevância da fatura individual, o olhar real seria pensar na agregação sistêmica, termos mais consciência em uma cultura de eficiência.
Nos últimos 3 anos, temos em média 14 mil GWh mensal de consumo de energia residencial, isso daria uns 168 mil GWh ano, onde temos em torno de 84 milhões de consumidores. Se aplicarmos uma redução conservadora de 3%, estamos falando de 5 mil GWh/ano ou então 0,42 GWh/mês de energia “liberada”. Para o Operador Nacional do Sistema (ONS), visivelmente isso não é somente uma dica de economia doméstica. Isso é quase uma Usina Virtual de Energia (VPP) de grande porte, distribuída, instantânea e já conectada. É capacidade de despacho negativo e estrutural que não exige um licenciamento para funcionar, não solicita obras. Lógico que o cálculo aqui é hipotético, mas a ideia é mostrar a grandeza de não pensar somente no custo evitado.

Então no final essa usina já existe. Falta somente o switch cultural e tecnológico para ativá-la. O fim da inércia residencial, entrando justamente em um novo mundo.
Por quase um século, a residência foi tratada como uma "curva de carga passiva", um enorme buraco que somente drena elétrons. Esse paradigma morreu. O consumidor acaba sendo empurrado para um novo modelo e enxerga cada vez mais que:
a Geração Distribuída (GD) transformou telhados em microcentros de produção;
os medidores inteligentes vão trazer granularidade e verdade instantânea aos dados;
a tarifa dinâmica está prestes a transformar preços em sinais de comportamento;
e a abertura da baixa tensão ao Mercado Livre promete transformar o pagador de boletos em um agente de mercado ativo.
Olhando o cenário como um todo, o standby deixa de ser somente a “luzinha vermelha” irritante na sala e vira a camada zero da Gestão Ativa de Demanda (DSM), temos aí uma nova oportunidade e ampliação que nem todos acabam comentando ao conversar sobre esses pontos.
Basicamente saímos de um "inimigo doméstico" para de fato a inteligência de dados.
O debate histórico, pautado no moralismo do “evite o desperdício”, envelheceu mal.
A irrelevância financeira para quem consome muito (onde o standby não chega a 3% da conta) contrasta com o peso para quem consome pouco (onde pode bater 8%). Mas a estatística importante disso tudo é que quando o micro se soma, vira macro, e quando o macro se coordena, vira recurso energético.
O desligamento manual é somente a pré-escola. O consumidor que hoje aprende a automatizar cortes de cargas inúteis, como do micro-ondas ocioso à iluminação externa desnecessária, vai estar, na prática, treinando para um futuro muito mais complexo. Ele está se preparando para alguns itens como:
Resposta da Demanda,
arbitragem com baterias,
um possível curtailment remunerado,
novas entrantes de reais VPP,
e negociação ativa no Mercado Livre.
Nessa lógica, gerenciar o standby deixa de ser somente avareza e vira um indicador de maturidade energética.
E gosto de lembrar que equipamentos com Selo Procel A continuam indispensáveis, mas a eficiência do futuro não virá somente de hardware. Os consumidores capazes de interagir com a rede e tomar decisões baseadas em dados, vão ser grande força futuramente.
Se conseguirmos criar uma cultura, apoiados por automação, dados e sinalização de preço correta, vamos acabar deixando a eficiência energética como a soma de eletrodomésticos desligados e passaremos a enxergá-la como inteligência coletiva aplicada para estabilidade da rede.
O standby é somente a ponta do iceberg, é no detalhe de 1,5 W que começa a mudança de mentalidade que, escalada, pode segurar o sistema.
Amo falar que a melhor energia não é solar, eólica ou hídrica. A energia mais barata, limpa e rápida de despachar continua sendo aquela que a gente não precisa consumir. Falta somente o incentivo correto. E como ponto final de reflexão, economizar e melhor no sistema como um todo, reduzir o custo e ainda ser mais ativo são pontos importantes, além de que toda essa movimentação ajuda na redução de emissões, ajudando assim também na sustentabilidade.
Sobre o autor
Felipe Figueiró é engenheiro eletricista, com dois MBAs focados em inovação, liderança e inteligência de mercado. Atua há mais de 11 anos no setor elétrico e tem como visão transformar dados em estratégias inteligentes e eficientes.
Quando o Consumidor Residencial Deixa de Ser Carga e Passa a Ser Ativo do Sistema











Muito bom.