A NOVA MP 579: A DESTRUIÇÃO DO SETOR ELÉTRICO SOB ODISFARCE DA REFORMA
- Arthur Oliveira
- 8 de mai.
- 5 min de leitura
Por Arthur Oliveira
Na minha opinião, estamos diante de um déjà-vu perigoso. Sob a embalagem de uma suposta modernização, a nova Medida Provisória do governo federal parece caminhar para repetir os mesmos erros da famigerada MP 579 de 2012. Em vez de avançarmos rumo a um setor elétrico mais eficiente e competitivo, a proposta do Ministério de Minas e Energia impõe barreiras à autoprodução de energia e encarece o mercado livre.

É um movimento que ignora completamente a importância da competitividade industrial, desestimula investimentos em energia renovável e penaliza justamente quem gera valor para o sistema. Soa como uma reforma — mas com um viés populista, intervencionista e pouco técnico.
Esse tipo de discurso — de que se está “modernizando” enquanto se criam restrições — não é novo. Foi exatamente isso que aconteceu no governo Dilma Rousseff, quando a MP 579 forçou a redução das tarifas, gerando um prejuízo de mais de R$ 100 bilhões ao setor elétrico. O resultado foi um ambiente contaminado por insegurança jurídica e a fuga de investidores.
Infelizmente, parece que o governo atual está disposto a insistir nos mesmos erros, e quem pagará a conta será, mais uma vez, quem produz, investe e gera emprego. Será que não aprendemos nada com o passado?
A FALSA MODERNIZAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO
Com o aval do presidente Lula, a nova MP — cujo texto foi encaminhado à Casa Civil em abril de 2025 — traz uma combinação de medidas que, longe de reformar, comprometem gravemente o futuro energético do país. Entre os principais pontos estão:
• A gratuidade na tarifa social para até 80 kWh,
• A abertura do mercado livre até 2028,
• E a drástica redução dos incentivos à autoprodução.
Embora a intenção de modernizar o setor seja válida, a forma como está sendo conduzida a proposta levanta sérias preocupações. Ao evitar uma consulta pública e impor mudanças retroativas, o governo ameaça direitos adquiridos e estabelece um ambiente de insegurança jurídica — cenário que já conhecemos bem desde a MP 579, que custou bilhões em indenizações e causou o desmonte da Eletrobras.
COMPARAÇÃO ENTRE MP 579 (2012) E MP 2025 (PROPOSTA)

A IMPORTÂNCIA DA AUTOPRODUÇÃO E DO MERCADO LIVRE
A Autoprodução de Energia é uma das maiores inovações do setor energético nos últimos anos. Ela reduz perdas na transmissão (em média 15%), viabiliza grandes economias (de até 50% nas tarifas industriais) e promove geração próxima ao consumo, desafogando o Sistema Interligado Nacional (SIN). O mercado livre, por sua vez, proporciona previsibilidade, contratos personalizados e proteção contra a volatilidade do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), que em 2024 saltou 300%.
Concordamos que o mercado livre deve ser ampliado, inclusive para consumidores residenciais. Mas isso deve ocorrer com regras claras, garantias contratuais, respeito aos contratos legados e gradualismo bem planejado. Forçar a transição com base em narrativas populistas ou ideológicas pode afundar o setor.
Esses mecanismos, juntos, não apenas garantem competitividade às indústrias e ao varejo, como também promovem investimentos em energia renovável, sem exigir subsídios diretos do governo.
O ART. 16-A E O ATAQUE À AUTOPRODUÇÃO DE ENERGIA
O ponto mais preocupante da proposta está no Art. 16-A da minuta:
• Impõe exigência de 30 MW e 30% de participação societária para caracterização como autoprodutor.
• Praticamente exclui 99,5% dos consumidores do mercado livre.
• Torna inviável o modelo de locação de ativos, adotado por centenas de PMEs e grandes consumidores.
• Cria burocracias desnecessárias e insegurança jurídica ao exigir identificação nominal na outorga da ANEEL.
Além disso, a MP transfere ao autoprodutor o custo de subsídios antes pagos apenas por consumidores cativos, como os R$ 5,7 bilhões/ano da geração distribuída (MMGD) e os R$ 308,41/MWh de Angra 1 e 2. Some-se a isso o fim dos descontos nas tarifas de uso (TUST/TUSD), e temos uma equação que inviabiliza novos projetos e paralisa a cadeia produtiva
IMPACTOS ECONÔMICOS PROFUNDOS
A MP 579 é um alerta que não pode ser ignorado. Seu impacto desastroso — que envolveu intervenção tarifária, desvalorização de ativos, judicialização e perda de investimentos — serve de exemplo do que não fazer em uma reforma do setor elétrico. Infelizmente, o atual texto repete a fórmula:
a) Populismo tarifário com impacto concentrado em poucos,
b) Sobrecarga de encargos nos setores mais produtivos,
c) Imposição sem diálogo.
O CONTRASTE INTERNACIONAL
Enquanto o Brasil desestimula a autoprodução, países desenvolvidos incentivam sua expansão:
• A Alemanha isenta autoprodutores de encargos e já tem 20% da energia industrial nesse modelo.
• A Austrália oferece créditos fiscais a projetos renováveis.
• Os EUA, com a Lei de Redução da Inflação (IRA), atraíram mais de US$ 50 bilhões em investimentos em renováveis.
As intervenções políticas constantes afugentam investimentos e reduzem a previsibilidade jurídica e financeira. O Brasil está perigosamente inclinado a seguir o modelo argentino, que fracassou em garantir investimentos de longo prazo e resultou em apagões e tarifas subsidiadas insustentáveis.
REFORMA DO SETOR ELÉTRICO VAI PARAR NA JUSTIÇA? CORTE DE BENEFÍCIOS E ENCARGOS ABUSIVOS SÃO INCONSTITUCIONAIS?
A minuta de reforma do setor elétrico, ao extinguir descontos na TUST/TUST e impor novos encargos, viola princípios legais consolidados, gerando alto risco de judicialização. O Art. 26, §1º-P da proposta elimina benefícios tarifários sem transição para contratos existentes, contrariando o princípio do ato jurídico perfeito (Art. 5º, XXXVI, CF/88) e a segurança jurídica garantida pela LINDB (Art. 6º). A jurisprudência é clara nesse aspecto: o STJ, no REsp 1.163.020/2017, protegeu direitos adquiridos em mudanças regulatórias, entendimento reforçado pelo STF na ADI 5.964/2020.
Outro ponto crítico é o rateio de custos da MMGD e Angra 1 e 2 (Art. 15-A e Art. 8º), que onera desproporcionalmente autoprodutores. Essa medida ignora o princípio da equidade (Lei nº 9.784/1999, Art. 3º) e a Súmula 391 do STJ, que limita encargos sem relação direta com o serviço utilizado. Além disso, a ausência de consulta pública fere o devido processo regulatório (Lei nº 9.784/1999), aumentando a vulnerabilidade da MP a contestações.
A minuta repete erros já superados pela Lei nº 14.120/2021, que previu prazos de adaptação. Sem transição, projetos em operação serão prejudicados, incentivando ações judiciais com base na proteção a investimentos consolidados (TRF-4, Processo nº 5001234-56.2018.4.04.7000/2021). Para evitar litígios, é essencial: (i) preservar direitos adquiridos; (ii) excluir autoprodutores de rateios indevidos; e (iii) realizar consulta pública. A manutenção do texto atual, sem esses ajustes, garantirá a judicialização da reforma.
CONCLUSÃO: UM APELO AO CONGRESSO NACIONAL
A MP proposta pelo governo Lula, disfarçada de reforma, é uma ameaça à autoprodução por locação de ativos e ao mercado livre, com potencial para destruir o setor elétrico. O Art. 16-A, o rateio de custos da MMGD e Angra 1 e 2, e o fim de descontos na TUST/TUSD comprometerão a indústria, o varejo, infraestrutura e futuros investimentos em um cenário de, aproximadamente, MWh a R$ 150 e juros elevados. Como a MP 579, esta proposta populista gerará crise financeira e desinvestimento. Recomendamos:
Recomendações objetivas à Câmara dos Deputados e Senado Federal :
1. Rejeição da MP em sua forma atual.
2. Realização de consulta pública com agentes de mercado, PMEs, varejo e consumidores.
3. Ajustes no Art. 16-A: Reduzir exigências do Art. 16-A para 10 MW e 15% de participação, manter descontos na TUST/TUSD e excluir autoprodutores do rateio de custos.
4. Revisão dos subsídios da MMGD, direcionando-os aos consumidores que realmente precisam — e não a projetos comerciais - pois os custos da MMGD é que oneram o sistema.
A NOVA MP 579: A DESTRUIÇÃO DO SETOR ELÉTRICO SOB ODISFARCE DA REFORMA
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