A revolução elétrica que o Brasil insiste em perder
- EnergyChannel Brasil
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Com a COP30 às portas, o país tem a chance de liderar a transição energética global — mas precisa agir agora

Por Daniel Pansarella
04 de outubro de 2025
A eletrificação da frota global deixou de ser uma promessa futurista para se tornar realidade econômica. Mais de 17 milhões de veículos elétricos foram vendidos em 2024, com participação de mercado superior a 20% em diversos países. Enquanto China, Europa e até os Estados Unidos — apesar dos tropeços recentes — definem suas estratégias, o Brasil assiste de camarote a uma revolução que poderia ter seu nome escrito em letras garrafais.
O país tem tudo para ser protagonista: matriz elétrica limpa, abundância de recursos solares, mercado interno robusto e uma indústria automotiva consolidada. Mas falta o essencial: vontade política e visão de longo prazo. Com a COP30 marcada para novembro em Belém, o Brasil tem uma janela de oportunidade histórica. A questão é: vamos aproveitá-la ou deixar passar mais uma vez?
O que o mundo está fazendo (e nós não)
A China não brinca em serviço. O país cresceu 40% nas vendas de veículos elétricos em 2024 e ultrapassou 50% de participação de mercado em três meses do ano. O segredo? Planejamento de Estado, subsídios robustos e metas obrigatórias. O programa de "trade-in" renovado para 2025 oferece até US$ 2.730 para quem trocar um carro velho por um elétrico. As metas são agressivas: 48% de vendas de VEs em 2026 e 58% em 2027.
A Europa, por sua vez, mostra o que acontece quando se perde a coragem. A Alemanha encerrou seus subsídios abruptamente em dezembro de 2023 e viu as vendas despencarem 50% no mês seguinte. A participação de mercado dos elétricos recuou de 18,5% para 13,5% em um ano. A lição é clara: incentivos funcionam, mas precisam ser consistentes. Descontinuar políticas de forma abrupta é um tiro no pé.
Os Estados Unidos vivem agora o drama alemão. O fim dos créditos fiscais federais de até US$ 7.500 em outubro de 2025 deve derrubar as vendas de VEs em até 40% até 2030. Sem coordenação federal e com apenas alguns estados mantendo incentivos próprios, o país corre o risco de perder uma década na transição energética.
América Latina: os vizinhos estão saindo na frente
Enquanto o Brasil patina, a América Latina mostra que é possível avançar mesmo com recursos limitados. O Chile lidera com folga: Santiago tem a maior frota de ônibus elétricos da região e a segunda maior do mundo, atrás apenas da China. A meta é clara: 40% dos carros de passeio e 100% do transporte público elétricos até 2050.
A Argentina, mesmo com sua instabilidade crônica, eliminou tarifas de importação para até 50.000 veículos elétricos em 2025. A Colômbia aderiu à Declaração de Veículos Zero Emissão e regulamentou a micromovilidade. O México oferece dedução fiscal de 86% para investimentos em VEs e estabeleceu a meta de eliminar veículos fósseis até 2035.
E o Brasil? Temos o Programa MOVER, aprovado em 2024, que prevê R$ 3,8 bilhões em incentivos para 2025 — uma fração do que China e Europa investem. O programa criou o IPI Verde e exige limites de reciclagem, mas não estabelece metas claras de eletrificação. Doze estados oferecem isenção de IPVA, mas não há política federal coordenada para infraestrutura de recarga ou subsídios diretos à compra.
País/Região | Estratégia | Resultado |
China | Subsídios agressivos, metas obrigatórias, programa de trade-in | Crescimento de 40% em 2024; penetração acima de 50% |
Europa | Benefícios fiscais fragmentados, descontinuação de subsídios | Instabilidade; queda de 50% nas vendas na Alemanha |
EUA | Fim dos créditos federais; incentivos estaduais | Previsão de queda de 40% nas vendas até 2030 |
Chile | Isenção de impostos, infraestrutura obrigatória | Maior frota de ônibus elétricos da América Latina |
Argentina | Eliminação de tarifas de importação | Abertura para marcas chinesas; preços ainda altos |
Colômbia | Lei 1964/2019; adesão à Declaração Zero Emissão | Crescimento nas vendas; regulamentação de micromovilidade |
México | Dedução fiscal de 86%; meta de eliminar fósseis até 2035 | Crescimento de 17,4% em 2025; avanço lento |
Brasil | Programa MOVER; R$ 3,8 bi em incentivos | Crescimento de 28% no 1º semestre; participação de 3,9% |
O trunfo brasileiro que ninguém está usando
Aqui está o ponto que poucos enxergam: a eletrificação só faz sentido se a energia for limpa. De que adianta trocar o escapamento pela tomada se a eletricidade vem de termelétricas a carvão? É aí que o Brasil tem uma vantagem competitiva brutal.
Com mais de 80% da matriz elétrica vinda de fontes renováveis, o país pode maximizar os ganhos ambientais da mobilidade elétrica. E tem mais: a abundância solar permite que proprietários de VEs carreguem seus carros com energia 100% limpa a custo praticamente zero após o payback do sistema fotovoltaico.
A integração entre energia solar e mobilidade elétrica pode reduzir em até 70% as emissões do setor de transportes. Já existem mais de 16.880 pontos de recarga rápida no Brasil, muitos alimentados por energia solar. O potencial é gigantesco, mas falta escala.
E o armazenamento de energia? Esse é o elo que faltava. O mercado brasileiro instalou 269 MWh de capacidade em 2024, crescimento de 29% em relação a 2023. A expectativa é movimentar R$ 22,5 bilhões até 2030. A ISA Energia Brasil inaugurou o primeiro sistema de armazenamento em larga escala do país, com 30 MW de potência na Subestação Registro.
A tecnologia Vehicle-to-Grid (V2G), que permite aos veículos elétricos devolverem energia à rede, pode transformar a frota em uma bateria distribuída gigante. Imagine milhões de carros conectados à rede, estabilizando o sistema elétrico e gerando receita para os proprietários. Isso não é ficção científica — é tecnologia disponível hoje.
COP30: a última chamada
A COP30 em Belém, de 10 a 21 de novembro, não pode ser apenas mais um evento diplomático com fotos bonitas e discursos vazios. É o momento de o Brasil apresentar uma estratégia real de descarbonização do transporte, com metas claras, incentivos robustos e investimentos em infraestrutura.
A proposta da coalizão empresarial já está na mesa: eletrificar 50% dos carros de passeio e 300 mil ônibus até 2050, eliminando 145 milhões de toneladas de gases de efeito estufa. O investimento necessário? R$ 40 bilhões em infraestrutura de recarga. Parece muito, mas é uma fração do que o país gasta subsidiando combustíveis fósseis.
O setor de transportes responde por mais de 50% das emissões do setor de energia no Brasil, com crescimento constante desde 2018. O país não está no caminho para cumprir suas metas de 2025 e 2030 do Acordo de Paris. Pior: o Brasil ainda não aderiu à coalizão "Accelerating to Zero", que prevê 100% de vendas de veículos zero emissão até 2035.
A conta que não fecha
O Brasil tem todas as condições para ser líder global na economia de baixo carbono. Mas liderança não se conquista com potencial — se conquista com ação. O Programa MOVER é um começo tímido. Faltam metas específicas de eletrificação, subsídios diretos à compra, investimento federal em infraestrutura de recarga e coordenação entre estados.
Enquanto isso, a China consolida sua hegemonia, a Europa tenta se reerguer e até nossos vizinhos latino-americanos avançam mais rápido. O Brasil corre o risco de chegar atrasado a uma festa que poderia estar organizando.
A COP30 é a chance de mudar essa narrativa. De anunciar ao mundo que o Brasil está pronto para liderar. Que a transição energética não é apenas uma obrigação climática, mas uma oportunidade econômica. Que o futuro é elétrico, solar e brasileiro.
Mas para isso, é preciso sair do discurso e partir para a ação. O relógio está correndo. E o mundo não vai esperar.

Daniel Pansarella é professor de comércio exterior e negociações internacionais, especialista em transição energética e políticas de sustentabilidade.
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Parabéns Daniel ótimo artigo