Made in China 2025: o que o Brasil pode aprender com a estratégia industrial chinesa
- Janayna Bhering Cardoso
- 29 de set.
- 4 min de leitura
Por Janayna Bhering Cardoso | Artigo de Opinião

Em 2015, o governo chinês lançou um plano ambicioso que ainda hoje movimenta debates no cenário global: o Made in China 2025. Mais do que um programa de política industrial, trata-se de uma visão estratégica para transformar a China de “fábrica do mundo”, conhecida por produtos de baixo custo, em uma potência tecnológica de alto valor agregado.
O Made in China 2025 não surgiu de forma isolada; ele é parte de um percurso de quase quatro décadas de estratégia nacional de desenvolvimento que transformou a China de uma economia agrária para a segunda maior potência do mundo.
A trajetória de desenvolvimento da China nos últimos 40 anos
Década de 1980 – Reformas de Deng Xiaoping: Em 1978, sob a liderança de Deng Xiaoping, a China iniciou as reformas de abertura econômica. O país saiu do modelo centralizado maoísta (forma como a economia chinesa funcionava sob a liderança de Mao Tsé-Tung (1949–1976), após a fundação da República Popular da China), para adotar uma economia socialista de mercado, permitindo investimento estrangeiro, zonas econômicas especiais e liberalização parcial de setores produtivos. O foco era atrair capital, tecnologia e conhecimento para acelerar a industrialização.
Década de 1990 – China como “fábrica do mundo”: Com mão de obra abundante e custos baixos, a China consolidou-se como destino preferencial de multinacionais. A estratégia era competir em escala e preço, exportando produtos de baixo valor agregado, especialmente manufaturas leves, eletrônicos básicos e têxteis.
Anos 2000 – Infraestrutura e ascensão global: O país investiu pesadamente em infraestrutura, urbanização e energia, criando as bases para o crescimento industrial. Ao mesmo tempo, ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001, ampliando seu acesso a mercados internacionais e consolidando sua integração nas cadeias globais de valor.
Década de 2010 – Inovação e tecnologia como prioridade: Com o aumento dos salários e a necessidade de competir em novos patamares, a China lançou estratégias voltadas à subida na escada tecnológica. O Made in China 2025 (2015) foi o marco mais visível dessa mudança, mirando setores estratégicos de alta tecnologia. Paralelamente, a Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative, 2013) reforçou sua expansão global, conectando infraestrutura, comércio e influência política em mais de 60 países.
Hoje – Autossuficiência e liderança global: Atualmente, a China busca autonomia tecnológica, principalmente em semicondutores, inteligência artificial, biotecnologia e energias limpas. O objetivo é reduzir vulnerabilidades externas, especialmente diante das tensões com os EUA, e consolidar-se como potência inovadora até meados do século XXI.
O que é o Made in China 2025?
Na década de 2010, a China já enfrentava um dilema: sua economia crescia, mas ainda era altamente dependente de tecnologias estrangeiras em setores estratégicos. Para sustentar o desenvolvimento, reduzir vulnerabilidades externas e conquistar protagonismo em cadeias globais de valor, o governo lançou uma política industrial ambiciosa, com horizonte de longo prazo e foco em inovação.
Esse movimento também reflete uma disputa mais ampla pela liderança econômica e tecnológica mundial. Em um cenário de transição energética, digitalização acelerada e novas tensões geopolíticas, dominar setores de alta tecnologia significa garantir não apenas competitividade econômica, mas também poder estratégico internacional. O plano parte de quatro grandes objetivos:
Autossuficiência e competitividade: reduzir a dependência de tecnologias estrangeiras e fortalecer a inovação doméstica.
Modernização industrial: melhorar a qualidade, digitalizar processos e expandir a automação.
Desenvolvimento econômico: usar a inovação como motor de crescimento sustentável.
Sustentabilidade: promover eficiência energética e modelos de produção menos intensivos em recursos.
Setores estratégicos
O Made in China 2025 definiu áreas prioritárias para investimentos massivos e políticas de incentivo:
Tecnologia da informação
Robótica e maquinaria avançada
Aeroespacial e transporte de alta tecnologia
Veículos elétricos e de nova energia
Biofármacos e equipamentos médicos
Novos materiais
Esses setores refletem uma clara intenção de disputar espaço com economias líderes como Alemanha, EUA e Japão, criando uma base sólida para a autonomia tecnológica chinesa.
Impacto global e desafios
A implementação do plano já trouxe resultados visíveis. Empresas chinesas expandiram suas patentes em inteligência artificial, baterias de lítio e 5G. A política industrial, por meio de subsídios e incentivos fiscais, fortaleceu ecossistemas locais e elevou a China ao patamar de competidora direta em segmentos de alto valor agregado.
Entretanto, o avanço também gerou tensões. Os EUA e a União Europeia passaram a ver o programa como uma ameaça à competitividade global, levantando preocupações sobre práticas desleais, subsídios estatais e transferência forçada de tecnologia. A guerra comercial entre EUA e China, em parte, nasce desse contexto.
O que o Brasil pode aprender?
O Made in China 2025 não é apenas um caso chinês: é uma aula de planejamento estratégico de longo prazo. Algumas lições para o Brasil:
Definir setores prioritários: assim como a China fez, precisamos eleger cadeias estratégicas (como agroindústria sustentável, energias renováveis, biotecnologia, mineração e mobilidade sustentável, por exemplo) e garantir continuidade de políticas públicas.
Inovação como política de Estado: investimentos em PD&I não podem depender de ciclos econômicos ou vontades políticas de curto prazo.
Integração público-privada: governos, empresas e universidades precisam atuar em rede, acelerando a transformação de pesquisa em inovação de mercado.
Formação de talentos: a China investiu fortemente em capacitação técnica. O Brasil também deve preparar sua força de trabalho para indústrias digitais e sustentáveis.
Desafios brasileiros:
Descontinuidade de políticas públicas, com frequentes mudanças de prioridades a cada ciclo político.
Baixo investimento em P&D, comparado a países concorrentes.
Fragmentação institucional, dificultando a articulação entre governo, empresas e academia.
Oportunidades:
Agronegócio sustentável e de alta tecnologia, onde o Brasil já é protagonista e pode avançar em biotecnologia e digitalização.
Transição energética, com potencial em bioenergia, hidrogênio verde e mobilidade elétrica.
Saúde e biotecnologia, setores em crescimento que podem ser impulsionados pela ciência brasileira.
Minerais críticos e estratégicos, como lítio, nióbio, grafite e terras raras, fundamentais para baterias, semicondutores e tecnologias limpas.
O Made in China 2025 mostra como a inovação pode ser tratada como estratégia nacional de desenvolvimento. Apesar das críticas e tensões, o plano reforça que quem liderar setores de alta tecnologia terá influência não apenas econômica, mas também geopolítica.
Para o Brasil, fica a reflexão: continuaremos como fornecedores de commodities e manufaturas de baixo valor, ou vamos construir nosso próprio “Made in Brazil”, um projeto de país baseado em ciência, tecnologia e inovação?
Made in China 2025: o que o Brasil pode aprender com a estratégia industrial chinesa





























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