Missão Europa 2025: aprendizados estratégicos para o Brasil na era da transição energética
- Silla Motta
- há 3 horas
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Por Silla Motta | CEO da Donna Lamparina
Entre os dias 2 e 6 de junho de 2025, tive a oportunidade de participar da Missão Internacional Energy Advisor, uma iniciativa liderada pela Thopen Energy com curadoria institucional da Amcham Brasil e apoio da StartSe.

A missão teve como foco o aprofundamento em modelos regulatórios, práticas tecnológicas e inovações comerciais aplicadas à transição energética, com visitas técnicas e institucionais à Alemanha e ao Reino Unido — duas referências globais na descarbonização das matrizes energéticas.

A experiência se mostrou decisiva em um momento em que o Brasil avança rumo à abertura total do mercado de energia elétrica, prevista para dezembro de 2027, conforme delineado pela Portaria MME nº 50/2022 e reforçado pela nova Medida Provisória 1.300/2025, que estabelece a liberalização gradual do mercado até a universalização do acesso ao ambiente livre.

O contexto europeu: entre metas climáticas e competitividade industrial
A Alemanha, hoje com cerca de 60% de sua geração elétrica proveniente de fontes renováveis (dados do Fraunhofer ISE, 2024), protagoniza a mais ambiciosa política de transição energética da Europa. A visita à Bundesnetzagentur (BNetzA) — agência reguladora federal — destacou o avanço da liberalização do mercado, a separação estrutural das redes e o compromisso com o acesso não discriminatório aos sistemas de transmissão e distribuição.
Em 2024, o país adicionou 16,2 GW em capacidade solar e 3,2 GW em eólica onshore, ultrapassando 190 GW de capacidade instalada renovável, de acordo com o relatório anual da agência. Esses números expressivos foram alcançados graças a uma regulação robusta e a metas públicas claras, como a de 80% de eletricidade renovável até 2030.

A visita à Statkraft, maior geradora de energia renovável da Europa, revelou um portfólio de 22,3 GW em operação global, com destaque para eólica e hidrelétrica. Embora a empresa tenha sido pioneira em serviços comerciais com baterias desde 2015, as soluções de armazenamento ainda enfrentam desafios de viabilidade econômica, especialmente em escala industrial.
Hidrogênio verde: geopolítica e mercado em expansão
Um dos temas centrais da missão foi o hidrogênio verde. A RWE, uma das maiores empresas de energia da Europa, apresentou seu projeto GET H₂ Nukleus, localizado em Lingen, que já conta com uma planta de 14 MW de eletrólise em operação e prevê a expansão para 100 MW em 2025, com metas de atingir 300 MW até 2027.
Este projeto está vinculado a contratos de longo prazo, como o firmado com a TotalEnergies, para fornecimento de 30 mil toneladas de hidrogênio verde por ano a partir de 2030. O modelo da RWE reforça a importância de parcerias entre geradores, consumidores industriais e governos — um tripé que o Brasil ainda precisa consolidar para tornar seu potencial de hidrogênio competitivo.
A experiência também mostrou que a transformação energética vai além da tecnologia: envolve infraestrutura logística, conectividade internacional de gás e eletricidade, e uma visão integrada entre o planejamento energético e industrial. A Alemanha, por exemplo, reativou temporariamente usinas a carvão após a crise do gás russo, mas manteve os investimentos em renováveis e infraestrutura de hidrogênio como estratégia de longo prazo.

Reino Unido: inovação centrada no consumidor
No Reino Unido, o destaque foi a visita à Octopus Energy, reconhecida por sua disrupção digital no setor elétrico. A empresa opera a plataforma Kraken, que processa em tempo real 5 bilhões de dados por dia, oferecendo tarifas dinâmicas e previsões de consumo personalizadas por meio de inteligência artificial. A Octopus atualmente é o maior fornecedor de energia do Reino Unido em volume de clientes residenciais, com mais de 6 milhões de unidades atendidas.
O modelo de negócio rompe com estruturas tradicionais e mostra como a personalização, a flexibilidade tarifária e o empoderamento do consumidor podem gerar eficiência e fidelização. A empresa também atua como fornecedora de software para concessionárias em países como Alemanha, Japão e Estados Unidos, validando a escalabilidade da plataforma.
Outro ponto de atenção foi a visita ao National Energy System Operator (NESO) e à National Grid, responsáveis pela operação do sistema elétrico britânico. Os operadores utilizam ferramentas avançadas de planejamento com inteligência artificial, blockchain e modelagens em tempo real para garantir estabilidade em um sistema com mais de 40% de geração variável (eólica e solar). Em dias de pico, o Reino Unido já atinge mais de 95% de eletricidade limpa, segundo dados da Ofgem.
Aplicações para o Brasil: oportunidades e desafios
O Brasil está prestes a dar um passo histórico com a abertura total do mercado elétrico, permitindo que todos os consumidores — inclusive residenciais — escolham livremente seus fornecedores. Com base na missão europeia, cinco aprendizados se destacam:
1. Previsibilidade regulatória atrai capital: assim como na Alemanha, metas claras de expansão de renováveis e integração de tecnologias são indispensáveis para atrair investidores e acelerar projetos.
2. Integração entre fontes, armazenamento e digitalização: os projetos europeus mostram que geração renovável exige complementaridade com baterias, hidrogênio e inteligência de rede — elementos ainda incipientes no Brasil.
3. A digitalização é um vetor de eficiência: plataformas como a Kraken podem inspirar distribuidoras e comercializadoras brasileiras na criação de ofertas personalizadas, promovendo eficiência energética e fidelização de clientes.
4. Eficiência institucional acelera resultados: a atuação das agências reguladoras na Europa é ágil e baseada em dados — um modelo a ser perseguido por Aneel, ONS e demais agentes do setor nacional.
5. O Brasil pode liderar o hidrogênio verde: com acesso a energia renovável competitiva e portos estratégicos, o Brasil pode seguir o exemplo da RWE e desenvolver cadeias globais de exportação de moléculas verdes.
A importância da missão e das instituições parceiras
A realização da missão só foi possível graças à articulação da Thopen Energy, que desenhou uma agenda técnica densa e relevante; da Amcham Brasil, que garantiu interlocução institucional com autoridades reguladoras; e da StartSe, responsável pela curadoria estratégica e aproximação com hubs de inovação e tecnologia.
Mais do que visitas técnicas, a missão representou uma experiência transformadora — profissional e pessoalmente — que fortalece a visão de futuro e reforça o compromisso com uma transição energética justa, segura e economicamente viável para o Brasil.
Conclusão
A missão internacional de 2025 revelou, em detalhes, o caminho que o Brasil pode trilhar para liderar a nova economia da energia. Com dados concretos, cases reais e articulação público-privada, temos hoje a oportunidade de desenhar um modelo energético mais competitivo, digital e sustentável.
A energia do futuro já está sendo moldada — e o Brasil precisa estar entre os protagonistas dessa transformação.
Missão Europa 2025: aprendizados estratégicos para o Brasil na era da transição energética

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