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O FUTURO DA ÁREA DE ENERGIA PÓS REFORMA TRIBUTÁRIA

A nova reforma tributária me deixa com um pé atrás. Todo mundo fala em simplificar os impostos, mas quando a teoria chega na prática – especialmente no setor de energia –, a coisa complica. E muito. Confesso que fico desconfiado com essa história de tratar energia como "bem material". Na teoria, parece lógico. Na prática, significa mais burocracia e custos para quem quer produzir energia limpa. O mais irônico? Enquanto o cidadão comum com painel solar no telhado continua tranquilo com suas isenções, os projetos maiores – justamente os que poderiam fazer diferença na matriz energética – vão ficar com a conta mais salgada. O que mais me incomoda é ver como a reforma, sem querer (ou querendo?), beneficia os grandes players. Cooperativas e projetos comunitários de energia podem não ter grandes benefícios. 


O FUTURO DA ÁREA DE ENERGIA PÓS REFORMA TRIBUTÁRIA
O FUTURO DA ÁREA DE ENERGIA PÓS REFORMA TRIBUTÁRIA

Não nego que a reforma era necessária. Mas será que não estamos criando um sistema que, na tentativa de organizar, acaba travando justamente as iniciativas que deveriam ser prioridade? Energia limpa e acessível deveria ser meta nacional, não vítima colateral de mudanças tributárias. No final, fico com a impressão de que mais uma vez o Brasil está dando um tiro no próprio pé. Ajustes serão necessários – e tomara que venham rápido, antes que a conta dessa "simplificação" tributária chegue para todos nós, literalmente, na conta de luz.


I. EQUIPARAÇÃO DA ENERGIA A BEM MATERIAL

Art. 3º, parágrafo único define que “equiparam se a bens materiais as energias que tenham valor econômico”.IMPACTO:

  • Uniformiza a base de incidência, mas força distribuidoras, geradores e comercializadores a tratar energia com a mesma burocracia de estoque de mercadorias.

  • Exige robustez nos sistemas fiscais e de TI para rastrear geração, injeção e compensação de energia fotovoltaica.


II. TRIBUTAÇÃO DA CADEIA ELÉTRICA

Art. 10, II: o fato gerador de IBS/CBS ocorre “quando se torna devido o pagamento” em serviços contínuos, inclusive energia elétrica.Art. 11, § 7º: para energia elétrica, o local da operação será

  • I – lugar da disponibilização (cativo);

  • II – domicílio do adquirente (geração, transmissão, distribuição, comercialização). 


IMPACTO:

  • Cada fatura de mercado livre, PPA ou GD remota precisará indicar o “domicílio do consumo” para rateio de arrecadação entre União, Estado e Município.

  • Eleva complexidade operacional e aumenta custos de compliance, mas cria transparência na arrecadação.


III. LOCAÇÃO, CESSÃO ONEROSA E ARRENDAMENTO DE USINAS SOLARES

Na locação, cessão onerosa e arrendamento de usinas solares, o IBS e a CBS incidem integralmente sobre o valor efetivamente pago pela utilização do ativo, tendo o momento do pagamento como fato gerador (Art. 259, Seção VI) . O Art. 246, III inclui expressamente “locação, cessão onerosa e arrendamento de bem imóvel” entre as operações tributáveis pelo IBS/CBS . Para atenuar esse impacto, o Art. 17, § 3º da LC XX/2023 prevê redução de 70 % da base de cálculo quando se trate de autoprodução remota qualificada, desde que exista vínculo direto e exclusivo entre a usina e a unidade consumidora, formalizado em contrato de, no mínimo, cinco anos, com mesma titularidade para gerador e tomador de energia .


Essa disciplina exige não apenas adequação contratual—com cláusulas claras sobre prazo e exclusividade—mas também robustez documental: comprovantes de titularidade, relatórios de injeção e consumo e laudos de medição são imprescindíveis para auditoria e apropriação de crédito. Arrendamentos inferiores a cinco anos, contratos envolvendo múltiplos consumidores ou projetos sem vínculo direto não se enquadram na redução, sujeitando toda a receita à alíquota plena, que pode chegar a 28 %.


O novo regime redefine profundamente os modelos de leasing de usinas solares. Enquanto a locação convencional suporta 28 % sobre o valor total pago, a autoprodução qualificada efetiva apenas 8,4 % de encargos (30 % da base tributável), gerando economia de cerca de 19,6 pontos percentuais. Modelos Ready-to-Build (RTB) extraem ganhos adicionais ao segmentar o projeto em duas fases—desenvolvimento (tributação integral) e operação (base reduzida)—desde que mantenham rigorosamente os critérios legais de exclusividade e vínculo.

Modelo

Base de Cálculo

Alíquota Nominal

Alíquota Efetiva

Locação convencional

100 %

28 %

28 %

Autoprodução qualificada

30 %

28 %

8,4 %

RTB (fase operacional)

30 %

28 %

8,4 %


Para potencializar esses benefícios, os desenvolvedores devem estruturar seus contratos como autoprodução qualificada, preservando toda a documentação que comprove a exclusividade de consumo pela mesma unidade. Consumidores precisam negociar prazos mínimos de cinco anos, cláusulas de manutenção de titularidade e considerar arrendamento mercantil em vez de simples locação, garantindo a continuidade do benefício fiscal. Em projetos RTB, recomenda-se a constituição de SPEs específicas para a fase operacional, isolando o ativo locado e assegurando o enquadramento na redução da base tributável .


Esse rigor contratual e documental, aliado a sistemas de compliance que integrem medição automática, faturamento eletrônico e escrituração fiscal em tempo real, será determinante para que o setor de energia solar navegue com segurança e eficiência pela transição tributária até 2033.


IV. EXCEÇÃO PARA MICROGERAÇÃO DISTRIBUÍDA

Embora não no substitutivo, a LC 214/2025 (LC 214/2025, Art. 28) prevê que não incidirá CBS/IBS sobre energia compensada em sistemas de netmetering até 1 MW, exceto encargos de conexão, reativa, demanda e tarifas não associadas à energia.


IMPACTO:

  • Mantém incentivos para residências e pequenas empresas, salvaguardando o mote principal da GD.

  • Pressiona concessionárias a atualizar seus backoffices para isentar corretamente esses volumes sem impactar os demais componentes tarifários.


V. BENEFÍCIOS À IMPORTAÇÃO (REIDI)

A LC 214 preserva e amplia o REIDI, suspendendo CBS/IBS sobre importação e compra de bens e equipamentos de infraestrutura (inclusive painéis e inversores).IMPACTO:

  • Crucial para manter competitividade frente a importações chinesas.

  • Garante redução de CAPEX e viabilidade de grandes projetos de usinas centrais, mas reforça dicotomia:

    • Projetos de grande porte ganham estímulo;

    • GD e modelos descentralizados arcam com maior carga operacional e tributária.


VI. PERSPECTIVAS OPERACIONAIS E MERCADO

  1. Reengenharia de Contratos

    1. PPAs e leasing: Revisão de cláusulas para repasse ou internalização de CBS/IBS, mitigando variações de alíquota entre 2026 (0,9 %) e 2027 (8,7 %) e, depois, a introdução gradual do SII (0,1 % em 2026).

    2. GD compartilhada: Alteração de modelos de remuneração, privilegiando esquemas de créditos fiscais (Art. 28–38) sobre arrendamentos tributados em até 28 %.

  2. Digitalização e Compliance

    1. AMI e DTE: Implantação de sistemas avançados de medição para identificar o “fato gerador” (Art. 10, II) em tempo real e destino de arrecadação (Art. 11, § 7º).

    2. ERP fiscal integrado: Automação do split payment (Art. 27 III–IV) e gestão de créditos de CBS/IBS, evitando prisões de capital e sanções.

  3. Concentração e Modelos Cooperativos

    1. Grandes players: Vantagem competitiva pelo REIDI e escala financeira permite absorver CAPEX e O&M, consolidando participação no mercado centralizado.

    2. Pequenas geradoras: Necessidade de agrupar-se em consórcios robustos ou cooperativas que disputem economia de escala, reduzindo exposição à carga tributária sobre locação (Art. 246–248).

  4. Insegurança Jurídica e Regulação Complementar

    1. Cooperativas e associações: Lacunas sobre sujeição ao IBS/CBS geram risco de autuações; regulamentação urgente é necessária para segurança dos modelos de GD compartilhada.

    2. SII e Senado: Monitoramento das resoluções sobre SII, setor por setor, para antecipar eventuais alíquotas de tributação seletiva (combustíveis, eletricidade).


A tabela abaixo mostra que, até 2033, o setor de energia enfrentará uma redução gradual de tributos como IPI, ICMS e ISS, mas terá que se adaptar ao aumento da CBS e à introdução do SII:


Tabela de Transição Tributária no Setor de Energia (2026–2033)

Ano

IPI

SII (Imposto Seletivo)

ISS

ICMS

CBS

PIS/COFINS

Observações

2026

Sem alteração

0,1% (estadual)

Sem alteração

Sem alteração

0,9%

Sem alteração

Início da transição. CBS começa baixa.

2027

Sem alteração

0,05% estadual + 0,05% municipal

Sem alteração

Sem alteração

8,7%

Extinção

PIS/COFINS são substituídos pela CBS.

2028

Alíquota reduzida

0,05% estadual + 0,05% municipal

Sem alteração

Sem alteração

8,7%

IPI começa a ser reduzido.

2029

Alíquota reduzida

Definida por resolução do Senado

SII passa a ter alíquotas reguladas.

2030

Alíquota reduzida

Definida por resolução do Senado

Continuação da transição.

2031

Alíquota reduzida

90%

80%

70%

60%

Extinção

ICMS e ISS começam a ser substituídos pelo IBS.

2032

Alíquota reduzida

100%

90%

80%

70%

40%

Último ano de transição para ICMS/ISS.

2033

Alíquota reduzida

100%

100%

100%

100%

100%

Sistema totalmente unificado (CBS + IBS).


VII. RECOMENDAÇÕES PARA OS PRÓXIMOS ANOS

• Monitorar cronograma de transição (2026–2033): Antecipar o salto de CBS e a substituição total de ICMS/ISS até 2033, ajustando orçamentos e planos de negócios.

• Fortalecer governança fiscal: Criar squads internos de “IVA energético” para atualização contínua de processos e treinamentos.

• Alavancar incentivos de GD: Concentrar investimentos em instalações de até 1 MW (Art. 28 da LC 214) enquanto se desenham rotas de migração para mercados mais complexos.

• Fomentar alianças estratégicas: Unir-se a players de distribuição e comercialização para compartilhar infraestrutura de faturamento e reduzir custos de compliance.

À medida que o Brasil evolui para um sistema tributário mais transparente e alinhado ao padrão internacional, o setor de energia solar que abraçar esses desafios técnicos e operacionais estará pronto para liderar a próxima onda de crescimento sustentável.


VIII. CONCLUSÃO E PERSPECTIVAS

A reforma tributária que institui o IBS e CBS me parece um avanço ambíguo para o setor de energia. Embora a unificação de impostos sob o modelo de IVA traga maior racionalidade ao sistema, na prática vejo que ela pode acabar privilegiando determinados modelos de negócio em detrimento de outros. O que mais me preocupa é como essa mudança afetará a competitividade dos diferentes players do mercado. Projetos de grande porte, com estrutura robusta e acesso a benefícios fiscais específicos, certamente saem em vantagem. Já os modelos distribuídos e iniciativas menores podem enfrentar dificuldades para se adaptar à nova realidade tributária. Não nego que a reforma traga ganhos de eficiência no longo prazo. A simplificação do sistema e o fim da cumulatividade são conquistas importantes. No entanto, me questiono se o período de transição até 2033 será suficiente para evitar turbulências no setor, especialmente considerando os altos investimentos necessários em compliance e adaptação de sistemas.


O que fica evidente é que o novo modelo exige dos agentes do setor uma capacidade de planejamento tributário muito mais sofisticada. Empresas que conseguirem se antecipar às mudanças e otimizar sua estrutura fiscal certamente sairão na frente. Mas receio que muitos players, especialmente os menores, possam ficar pelo caminho nesse processo.


No balanço final, acredito que a reforma era necessária, mas seu desenho atual ainda deixa lacunas importantes. Será crucial acompanhar como o mercado se adaptará nos próximos anos e se serão necessários ajustes para garantir que a transição energética não seja prejudicada por essa mudança tributária.


O FUTURO DA ÁREA DE ENERGIA PÓSREFORMA TRIBUTÁRIA


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Fabiana Garcia
há 7 horas
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É realmente é triste ver isso favorecendo grandes...

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