
O Paradoxo Renovável: Como o Brasil Desperdiça Energia Limpa e Ameaça o Futuro do Setor
- Daniel Pansarella

- 22 de dez.
- 5 min de leitura
O Paradoxo Renovável: Como o Brasil Desperdiça Energia Limpa e Ameaça o Futuro do Setor
Por Daniel Pansarella | Energy Channel
A Crise que Ninguém Esperava
O Brasil vive um paradoxo que expõe as fragilidades de sua matriz energética. Ao mesmo tempo em que se consolida como potência global em energia renovável, com investimentos que ultrapassam R$ 380 bilhões na última década, o país é forçado a desperdiçar uma parcela crescente de sua produção limpa.
O fenômeno, conhecido como constrained-off, representa a redução ou interrupção da geração de energia eólica e solar, mesmo em condições ideais de vento e sol. A medida, acionada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), visa garantir a estabilidade da rede, mas revela um problema estrutural que ameaça a viabilidade econômica do setor.
Em novembro de 2025, o impacto atingiu níveis alarmantes. Um levantamento da consultoria ePowerBay, que monitora aproximadamente 240 conjuntos de geração, revelou que as perdas percentuais para os 20 empreendimentos mais afetados variaram de 38,45% a 67,96% para a fonte eólica e de 30,36% a 55,16% para a solar. Esses cortes representam um aumento de 230% em relação ao ano anterior, gerando perdas financeiras que ultrapassam os R$ 6 bilhões desde 2024, segundo estimativas da consultoria Aurora Energy Research.

O Gargalo que Paralisa o Setor
A região Nordeste, epicentro da crise, concentra a maior parte das usinas renováveis afetadas pelo constrained-off. Subestações como Janaúba 1 (com perdas de 68%), Sol do Sertão (65%) e Barreiras (62%) enfrentam restrições diárias que impedem o escoamento da energia produzida.
O problema é estrutural: a infraestrutura de transmissão não acompanhou o ritmo acelerado da expansão da capacidade de geração.
"Há um descompasso entre a infraestrutura de transmissão e a capacidade renovável instalada", avalia Matheus Dias, pesquisador sênior da Aurora Energy Research. "Construir uma nova linha leva em média cinco anos a mais do que uma usina de energia renovável." Enquanto mais da metade do consumo de eletricidade do país está no Sudeste, a maioria das usinas renováveis com constrained-off está no Nordeste mais pobre.
O problema é agravado pelo crescimento da geração distribuída – painéis solares em residências e empresas –, que reduz a demanda por energia da rede em determinados horários do dia. "O sistema começou a ter um excedente de energia, das 8h às 16h", explica Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica). "O operador nos manda desligar todos os dias."
A indústria de energia solar estima que infraestrutura inadequada é responsável por cerca de 50% dos incidentes de constrained-off. O restante é atribuído ao excesso de oferta de energia e à falta de flexibilidade no sistema.
O Impacto Econômico que Afasta Investidores
O constrained-off não representa apenas desperdício de energia limpa. A imprevisibilidade dos cortes e a redução da receita dos geradores criam um ambiente de incerteza que afugenta investidores. A Auren Energia, por exemplo, devolveu as licenças para cinco parques eólicos planejados, citando o aumento do constrained-off como uma das razões.
"Temos membros que tiveram 70% de sua produção cortada no início da temporada. Isso é mortal", afirma Talita Porto, da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). "Alguns empresários estão deixando o Brasil."
Os números confirmam a preocupação. O setor prevê queda das instalações de parques eólicos e solares em 2026, segundo ano seguido de desaceleração. Estudos indicam que o corte de geração fotovoltaica pode chegar a 27,7% em 2030, com níveis de cortes de geração solar centralizada chegando a 23,5% na média anual já em 2026.
A Tempestade Perfeita: Data Centers e Demanda Crescente
Enquanto o setor debate soluções para o constrained-off, uma nova ameaça se aproxima: a entrada massiva de data centers no Brasil. Especialistas apontam que a demanda crescente desses empreendimentos vai exigir muito da já tensionada rede elétrica. Com a abundância de água e energia limpa, o Brasil atrai investimentos na área, mas a infraestrutura não está preparada.
Mais de 20,5 mil consumidores migraram para o mercado livre de energia em busca de maior previsibilidade, mas a situação permanece crítica. A entrada de data centers, combinada com o constrained-off persistente, criará uma "tempestade perfeita" que pode comprometer a competitividade energética do país.
Sinais de Esperança: Petrobras, Vestas e Baterias
Nem tudo é pessimismo. A Petrobras embarcou em uma joint venture com a BP e vai operar um parque solar no Ceará, sinalizando confiança no setor apesar dos desafios. Além disso, Casa dos Ventos e Vestas anunciaram um parque eólico de R$ 5 bilhões no Piauí com 828 MW, energia para 2 milhões de residências e uma possível retomada do setor renovável.
O governo também avança em soluções estruturais. O primeiro leilão para contratação de armazenamento de energia em baterias está previsto para abril de 2026, um passo importante para dar flexibilidade ao sistema. A Brookfield, empresa canadense, está de olho nesse mercado, vendo baterias como a próxima fronteira do setor.
As Soluções em Debate
Para Alecio Fernandes, CEO da consultoria especializada Carpe Vie Engenharia, a solução passa por uma combinação de medidas regulatórias e investimentos em infraestrutura. A empresa defende a modernização da rede de transmissão, a implementação de sistemas de armazenamento de energia em baterias e a criação de um marco regulatório que incentive a flexibilidade e a resposta à demanda.
Em novembro de 2025, foi sancionada a Lei nº 15.269, que prevê a compensação parcial aos geradores afetados pelos cortes. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) também aprovou um plano para cortar o excedente de energia renovável, mas a medida é vista como um paliativo.
O governo federal estima que serão necessários quase R$ 40 bilhões em investimentos até 2039 para construir 8.400 km de novas linhas de transmissão. Esse investimento é fundamental para resolver o gargalo que hoje paralisa o setor.
O Ponto de Inflexão
O Brasil está em um ponto de inflexão. A capacidade de superar o paradoxo do desperdício de energia limpa definirá não apenas o ritmo da transição energética, mas também a competitividade da economia brasileira no cenário global. A janela para ação é estreita. Sem investimentos robustos em transmissão, armazenamento e regulamentação adequada, o país corre o risco de ver seu potencial renovável desperdiçado enquanto a demanda por energia cresce exponencialmente com a chegada de data centers e a eletrificação da economia.
A solução existe. O desafio agora é implementá-la antes que seja tarde demais.
Dados-Chave (Novembro 2025)
Métrica
Valor
Conjuntos monitorados pelo ONS
~240
Perdas eólica (mín-máx)
38,45% - 67,96%
Perdas solar (mín-máx)
30,36% - 55,16%
Aumento de curtailment (YoY)
230%
Perdas financeiras (desde 2024)
R$ 6 bilhões
Subestação mais afetada
Janaúba 1 (68%)
Investimento necessário (até 2039)
R$ 40 bilhões
Novas linhas de transmissão
8.400 km
Previsão de cortes solares (2030)
27,7%












Comentários