PERDAS DE ENERGIA NO BRASIL: O PESO DA INEFICIÊNCIA QUE TODOS PAGAMOS
- Arthur Oliveira

- 16 de jun.
- 4 min de leitura
O setor elétrico brasileiro, em 2024, mais uma vez mostrou uma face preocupante: as perdas de energia, que alcançaram 14,0% da energia injetada nas redes de distribuição. Isso corresponde a um volume colossal de 84,8 TWh, energia suficiente para abastecer vários estados brasileiros por meses, mas que foi literalmente desperdiçada entre geração e consumo final. Dividem-se essas perdas em 44,6 TWh (7,4%) de perdas técnicas e 40,2 TWh (6,6%) de perdas não técnicas. Esses números são inaceitáveis em um setor que movimentou mais de R$ 400 bilhões em receitas em 2024 e impactam diretamente tarifas, encargos e a competitividade econômica do país.
AS PERDAS TÉCNICAS: UM MAL FÍSICO, MAS AMPLIFICADO PELA INFRAESTRUTURA PRECÁRIA
As perdas técnicas são inevitáveis: decorrem do transporte da energia, da resistência dos cabos, perdas em transformadores e subestações. Em 2024, o custo tarifário dessas perdas foi de R$ 11,2 bilhões, valor que acaba incorporado nas contas de todos os consumidores. O problema não é só que elas existam, mas seu tamanho: no Norte, o índice foi de 10,2%; no Nordeste, 8,4%; no Centro-Oeste, 7,1%; no Sudeste, 6,2%; e no Sul, 5,7%.

Essas diferenças mostram como a infraestrutura desigual do país amplifica as perdas. Redes longas, equipamentos antigos e baixa densidade populacional aumentam os desperdícios. Em países da OCDE, as perdas técnicas raramente ultrapassam 5%.
AS PERDAS NÃO TÉCNICAS: O RETRATO DO DESCASO E DO CRIME
O verdadeiro escândalo do setor são as perdas não técnicas, que somaram 40,2 TWh e custaram ao setor cerca de R$ 10,3 bilhões em 2024. A ANEEL reconheceu R$ 7,1 bilhões como perdas eficientes para repasse às tarifas, o que corresponde a 2,85% da receita requerida ou 9,22% da Parcela B. O restante (cerca de R$ 3,2 bilhões) foi prejuízo direto das distribuidoras.
Concessionárias como Light (RJ) e Amazonas Energia (AM) são líderes absolutas do desperdício, com 34,1% das perdas não técnicas nacionais. Outras concessionárias com grande contribuição para o problema são Equatorial Pará (PA), Enel RJ, Celpe (PE), Enel CE, Coelba (BA) e Neoenergia PE.

Como visto no gráfico, as perdas não técnicas estão concentradas no Norte (19,5%) e Nordeste (13,5%) da energia injetada, enquanto no Sul o índice cai para 4,8%.
COMO O CONSUMIDOR LIVRE É IMPACTADO
Engana-se quem pensa que o consumidor livre está imune a essas perdas. Apesar de não arcar diretamente com a compra da energia perdida, ele sofre os efeitos colaterais em diversas frentes. As TUST e TUSD, tarifas de uso do sistema, são calculadas considerando o volume total de energia transportada, incluindo o excesso necessário para compensar as perdas. Isso significa que o consumidor livre está pagando para utilizar uma rede ineficiente.
Além disso, as perdas aumentam o custo sistêmico, levando o Operador Nacional do Sistema a acionar fontes caras (como usinas térmicas) para cobrir o déficit, pressionando o PLD e os encargos setoriais como o ESS, que são repassados ao mercado como um todo. Ou seja, o consumidor livre paga, sim — na forma de encargos mais altos e tarifas de acesso infladas pela ineficiência.
EVOLUÇÃO DAS PERDAS E A AÇÃO DA REGULAÇÃO
Desde 2008, o país reduziu as perdas não técnicas no mercado de baixa tensão de 16,2% para 10,6%. Mas essa evolução tem sido lenta, como mostra o gráfico a seguir.

O modelo de regulação por incentivos da ANEEL, baseado em benchmarking e ranking de complexidade, não tem produzido o impacto necessário. As glosas, embora crescentes (de R$ 1 bilhão em 2012 para R$ 3 bilhões em 2024), não conseguiram reduzir substancialmente as perdas reais.
O QUE DEVERIA ESTAR SENDO FEITO
A resposta para o problema das perdas de energia no Brasil está em ações integradas, firmes e urgentes. A modernização das redes, com uso de medidores inteligentes, telemetria, fiscalização eletrônica e automação, já não é mais uma opção: é uma obrigação imediata diante da magnitude do desperdício e do impacto nas tarifas. O Brasil já dispõe das tecnologias e dos modelos regulatórios necessários para reduzir essas perdas; o que falta é execução concreta e compromisso real com resultados.

A ANEEL deve vincular a renovação das concessões e os direitos tarifários ao cumprimento de metas reais e anuais de redução de perdas, É inaceitável que concessionárias sigam operando com níveis tão altos de perdas sem contrapartidas rigorosas para manter seus contratos e benefícios.
Por sua vez, o poder público precisa atuar na raiz do problema, com políticas estruturantes de inclusão social, regularização fundiária e acesso formal à energia elétrica.
A exclusão social e a precariedade urbana não podem continuar servindo como justificativa para o colapso de um sistema que deveria ser eficiente, justo e sustentável. Onde há pobreza extrema, o furto de energia muitas vezes é visto como uma necessidade e não como crime, e por isso a solução exige um esforço conjunto entre Estado, regulador e empresas. Não podemos continuar repassando ao consumidor regular o custo da ineficiência e da conivência com o desperdício.
CONCLUSÃO
O relatório de 2024 escancara um problema estrutural do setor elétrico brasileiro. As perdas de energia, especialmente as não técnicas, são um fardo para todos: consumidores cativos e livres, empresas e o próprio desenvolvimento econômico do país. Não há mais espaço para complacência. É preciso modernizar as redes, endurecer os mecanismos regulatórios, atrelar metas de redução ao direito de operar e envolver o Estado em ações que combatam as causas sociais do furto de energia. Cada megawatt perdido por ineficiência ou crime é um megawatt pago por quem faz o certo. Isso precisa mudar.
Fonte: Relatório Perdas de Energia Elétrica na Distribuição 2024/2025, Superintendência de Gestão Tarifária e Regulação Econômica – ANEEL.
PERDAS DE ENERGIA NO BRASIL: O PESO DA INEFICIÊNCIA QUE TODOS PAGAMOS











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