POSSÍVEIS IMPACTOS DA LEI COMPLEMENTAR Nº 214/2025 (REFORMA TRIBUTÁRIA) NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
- Arthur Oliveira

- 15 de set.
- 8 min de leitura

A “recente” aprovação e sanção do Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, agora convertido na Lei Complementar (LC) nº 214/2025, marca um ponto de inflexão na tributação sobre o consumo no Brasil, com repercussões profundas para o setor de energia elétrica. A nova legislação, que institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) em substituição a cinco tributos (PIS, COFINS, ICMS, ISS e IPI), redesenha a arquitetura fiscal do setor, afetando desde a geração até o consumo final de energia.
Este artigo tem como objetivo analisar detalhadamente e explanar aos consumidores os impactos da LC 214/2025 sobre dois segmentos cruciais do setor elétrico: o Mercado Livre de Energia (ACL) e a Autoprodução de Energia, com foco especial na modalidade de autoprodução por equiparação e na locação de ativos. A análise baseia-se no texto da lei, em informações de tramitação do Congresso Nacional e em pareceres de especialistas e escritórios de advocacia tributária que consultamos.
ANÁLISE DO MERCADO LIVRE DE ENERGIA (ACL)
O Mercado Livre de Energia, ambiente onde consumidores de maior porte podem negociar livremente o suprimento de energia elétrica, será um dos mais impactados pela reforma tributária. As principais mudanças concentram-se na sistemática de recolhimento dos novos tributos, na base de cálculo e na potencial alteração da carga tributária.
Nova sistemática de recolhimento no ACL
De acordo com a LC 214/2025, a responsabilidade pelo recolhimento do IBS e da CBS no ACL recairá sobre o gerador ou comercializador quando a venda for destinada ao consumo do adquirente ou a um comprador fora do regime regular dos novos tributos. Em aquisições multilaterais, a responsabilidade passa a ser do adquirente. Essa centralização do recolhimento em agentes específicos visa simplificar a fiscalização, mas exigirá uma adaptação significativa dos modelos de negócio e dos sistemas de faturamento das empresas que operam no ACL.
Um ponto de atenção é o Mercado de Curto Prazo (MCP), onde são liquidadas as diferenças entre a energia contratada e a consumida. A jurisprudência anterior, consolidada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), afasta a incidência do ICMS sobre essas operações, por entendê-las como cessões de direito e não como circulação de mercadoria. Com a reforma, o fato gerador do IBS/CBS passa a ser a "operação onerosa com bens ou serviços", o que, em tese, poderia abranger as liquidações no MCP. No entanto, especialistas apontam que a tributação dessas operações poderia configurar bis in idem (dupla tributação), uma vez que a energia já foi tributada no contrato principal. A expectativa é que essa questão seja objeto de disputas judiciais, caso não haja uma regulamentação clara.
Aumento da carga tributária e custos
Embora um dos objetivos da reforma seja a simplificação, há uma preocupação generalizada no setor sobre um potencial aumento da carga tributária. A alíquota padrão do IBS/CBS, ainda a ser definida, pode ser superior à soma das alíquotas atuais dos tributos substituídos. Além disso, a base de cálculo dos novos tributos será mais ampla, incluindo expressamente outros impostos e encargos, o que pode levar a um aumento em cascata dos custos.
Operações que antes não eram tributadas pelo ICMS ou ISS, como a locação de bens móveis, passarão a ser tributadas pelo IBS e CBS. Isso impacta diretamente os modelos de negócio baseados em locação de equipamentos e ativos para geração de energia, como veremos na seção sobre autoprodução.
O repasse desses custos para o consumidor final é uma consequência provável, o que pode pressionar a competitividade dos consumidores livres e impactar a modicidade tarifária, um princípio basilar do setor elétrico. As empresas, por sua vez, precisarão revisar seus modelos de precificação e contratos para mitigar os riscos tributários.
Situação atual vs. LC 214/2025 no ACL
ANÁLISE DA AUTOPRODUÇÃO DE ENERGIA POR EQUIPARAÇÃO E LOCAÇÃO DE ATIVOS
A autoprodução de energia, especialmente nas modalidades por equiparação e por locação de ativos, é um modelo estratégico para muitos consumidores que buscam otimizar custos e garantir a segurança do suprimento. A LC 214/2025 traz importantes considerações para essas operações, alterando o cenário tributário e exigindo uma reavaliação das estratégias existentes.
Autoprodução por equiparação
A autoprodução por equiparação refere-se à modalidade em que o consumidor, mesmo não sendo o proprietário direto da usina geradora, é equiparado a autoprodutor para fins regulatórios e comerciais, geralmente por meio de contratos de parceria ou consórcio. A LC 214/2025, em seus Art. 6º e Art. 26, estabelece que os consórcios de autoprodução não são considerados contribuintes dos novos impostos, salvo se optarem pelo regime regular, e que os consorciados assumem responsabilidade proporcional em caso de não adesão.
A equiparação da energia elétrica a um "bem material com valor econômico" (Art. 3º, §1º da LC 214/2025) amplia o campo de incidência dos novos tributos. Embora a intenção seja conferir segurança jurídica, essa equiparação, combinada com a inclusão de encargos e tributos na base de cálculo (Art. 12), pode gerar um bis in idem tributário se não houver uma revisão regulatória paralela por parte da ANEEL. Isso significa que a estrutura geral de custos da autoprodução pode ser impactada pela ampliação da base tributável.
Situação atual vs. LC 214/2025 na autoprodução por equiparação
Autoprodução por locação de ativos
A modalidade de autoprodução por locação de ativos, que envolve o arrendamento de usinas ou equipamentos de geração, é particularmente sensível às mudanças da reforma tributária. A LC 214/2025, em seus Art. 6º e Art. 26, estabelece que as transferências internas de energia entre estabelecimentos de um mesmo autoprodutor são isentas dos novos tributos (IBS e CBS). Essa isenção é um ponto positivo para grandes grupos empresariais com múltiplas unidades consumidoras que se beneficiam da autoprodução centralizada por meio de locação de ativos.
Anteriormente, a locação de bens móveis e imóveis não estava sujeita ao ISS em diversos casos. Com a LC 214/2025, as operações onerosas com bens ou serviços, incluindo locação (Art. 4º, §2º, II), passam a ser tributadas pelo IBS e CBS. A alíquota padrão do IBS/CBS, que pode ser elevada, incidirá sobre o valor do contrato de locação.
A lei prevê regimes transitórios para locações, com possibilidade de alíquotas reduzidas durante o período de transição (de 2026 a 2032, conforme disposições gerais como Art. 12, §2º, V, que exclui certos montantes da base de cálculo até 31/12/2032). Para contratos firmados antes da vigência plena da lei em 2026, pode haver aplicação de benefícios fiscais transitórios, como reduções na base de cálculo ou alíquotas efetivas menores (ex.: regimes especiais mencionados em análises como o de transição para locações com alíquota de aproximadamente 3,65%, conforme Art. 487, §2º, representando uma redução de até 70% sobre a alíquota padrão para operações de locação em geral). No entanto, para contratos assinados após o início da transição, a aplicação plena das novas regras pode resultar em um aumento nos custos, impactando diretamente o preço final da energia para o autoprodutor.
Situação atual vs. LC 214/2025 na autoprodução por locação de ativos
RECOMENDAÇÕES
Para autoprodutores e empresas que atuam com locação de ativos, os desafios incluem a necessidade de:
Revisão contratual: Adaptação dos contratos de locação e de autoprodução para refletir a nova sistemática tributária e as responsabilidades de recolhimento.
Planejamento tributário: Avaliação cuidadosa dos regimes de transição e dos benefícios fiscais aplicáveis para otimizar a carga tributária.
Monitoramento regulatório: Acompanhamento das regulamentações complementares da ANEEL e do Comitê Gestor do IBS para entender os detalhes da aplicação da lei.
Análise de custos: Reavaliação da estrutura de custos e precificação da energia para garantir a competitividade e a viabilidade econômica dos projetos.
A ausência de regulamentação clara para alguns aspectos, como o reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos (Art. 373), pode gerar insegurança jurídica e dificultar o deferimento de pedidos de reajuste. A assessoria jurídica especializada será fundamental para mitigar riscos e navegar pelo novo cenário tributário.
CONCLUSÃO
A Lei Complementar nº 214/2025, fruto do PL 68/2024, representa uma transformação significativa no sistema tributário brasileiro, com impactos diretos e indiretos no Mercado Livre de Energia e na autoprodução de energia. Embora a lei busque simplificação e neutralidade tributária, a transição para o novo regime traz desafios consideráveis e exige uma adaptação estratégica por parte dos agentes do setor elétrico.
No Mercado Livre de Energia (ACL), a ampliação do campo de incidência do IBS e da CBS para operações onerosas com bens e serviços, incluindo a energia elétrica, pode resultar em um aumento da carga tributária. A discussão sobre a tributação das liquidações no Mercado de Curto Prazo (MCP) e a possibilidade de bis in idem permanecem como pontos de atenção que podem gerar judicialização. Comercializadores e consumidores livres precisarão revisar seus modelos de precificação e gestão de riscos para manter a competitividade.
Para a autoprodução de energia, a LC 214/2025 oferece isenção para transferências internas entre estabelecimentos de um mesmo autoprodutor. No entanto, a equiparação da energia a um bem material e a inclusão de encargos na base de cálculo pode elevar os custos gerais. A modalidade de autoprodução por locação de ativos é particularmente afetada, pois a locação de bens, antes não tributada por ICMS/ISS em diversos casos, agora estará sujeita ao IBS e CBS, com regimes transitórios oferecendo alíquotas reduzidas durante a fase de implementação (2026-2032).
Em suma, a LC 214/2025 exige uma profunda revisão de contratos, planejamento tributário cuidadoso, monitoramento regulatório constante e assessoria jurídica especializada para que as empresas do setor elétrico possam mitigar riscos, aproveitar os incentivos existentes e garantir a viabilidade econômica de suas operações no novo cenário tributário.
Fontes:
BRASIL. Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025. Institui o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS); cria o Comitê Gestor do IBS e altera a legislação tributária. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jan. 2025. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm
MANUCCI Advogados. Impacto da LC 214/23 no setor de energia. Disponível em: https://manucci.law/impacto-da-lc-214-23-no-setor-de-energia/
AYRES WESTIN Advogados. Impactos da reforma tributária no Mercado de Curto Prazo de energia elétrica. Disponível em: https://ayreswestin.com.br/impactos-da-reforma-tributaria-no-mercado-de-curto-prazo-de-energia-eletrica/
MOISÉS FREIRE Advocacia. Os impactos jurídico-tributários da reforma tributária no setor de energia elétrica segundo a LC nº 214 de 2025. Disponível em: https://moisesfreire.com.br/os-impactos-juridico-tributarios-da-reforma-tributaria-no-setor-de-energia-eletrica-segundo-a-lc-no-214-de-2025/
Por Dentro da Reforma. Reforma tributária setor elétrico 2025: CBS, IBS, riscos e impactos. Disponível em: https://pordentrodareforma.com.br/2025/06/06/reforma-tributaria-setor-eletrico-impactos/
POSSÍVEIS IMPACTOS DA LEI COMPLEMENTAR Nº 214/2025 (REFORMA TRIBUTÁRIA) NO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO





























👏👏É impressionante como a LC 214/25 escancara a ganância do governo: até a locação de ativos para autoprodução de energia, que não deveria ser tratada como operação de venda, virou alvo de tributação. Em vez de incentivar investimentos e eficiência no setor elétrico, a União prefere ampliar a base de arrecadação a qualquer custo, criando insegurança jurídica e onerando ainda mais quem busca soluções energéticas sustentáveis. Vergonhoso!