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Resiliência energética é técnica, não tendência.

Por Laís Víctor – Especialista em energias renováveis e Diretora executiva


Resiliência energética é técnica, não tendência.
Resiliência energética é técnica, não tendência.

Muito se fala sobre inovação, sustentabilidade e transformação digital no setor de energia. As palavras circulam com facilidade em eventos, relatórios corporativos e discursos públicos. Mas há um conceito que, embora cada vez mais citado, ainda é frequentemente mal interpretado e pior, subestimado: resiliência energética. Muitos a tratam como um termo da moda, encaixado em apresentações institucionais para reforçar compromissos com o futuro. Só que resiliência não é uma “tendência do momento” nem um enfeite conceitual do marketing verde. É técnica, engenharia, planejamento e execução consistente ao longo do tempo.


Resiliência energética é técnica, não tendência.
Resiliência energética é técnica, não tendência.

Resiliência energética diz respeito à capacidade real de um sistema suportar falhas, adaptar-se a mudanças abruptas e continuar operando com eficiência mesmo diante de eventos extremos sejam eles climáticos, geopolíticos, tecnológicos ou econômicos. Estamos falando de redes capazes de reagir a sobrecargas, de infraestrutura descentralizada que evita apagões em cascata, de operadores que trabalham com dados em tempo real para tomar decisões estratégicas sob pressão.


A questão é que, enquanto celebramos recordes de geração renovável e metas ambiciosas de descarbonização, seguimos negligenciando o pilar que sustenta tudo isso: a capacidade do sistema de continuar funcionando quando as condições deixam de ser ideais. Qual é o valor de um parque solar de última geração se ele fica isolado após uma falha na linha de transmissão? Ou de uma matriz energética limpa se ela depende de uma única região e não tem rotas alternativas em caso de crise?


Não basta gerar energia limpa. É preciso garantir que ela chegue com estabilidade, segurança e previsibilidade. E isso só é possível com resiliência como premissa técnica, não como promessa institucional. Se queremos um setor preparado para o futuro e para os riscos do presente precisamos urgentemente mudar o foco. A pergunta certa não é apenas “quanto estamos gerando?”, mas sim: “estamos preparados para manter esse sistema de pé, mesmo sob pressão?”


Essa é a conversa que o setor precisa ter. E não pode mais ser adiada.


Quando a geração avança mais rápido que a estrutura


Não basta instalar painéis solares e turbinas eólicas em escala recorde se a rede que sustenta essa produção continua operando com lógicas e tecnologias do século passado. O setor energético brasileiro avança com força na ampliação da geração renovável, mas a infraestrutura necessária para integrar essa energia ao sistema segue em atraso. Segundo o Plano Decenal de Expansão de Energia 2032, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o Brasil deve atingir 50% de sua capacidade instalada em fontes renováveis variáveis (solar e eólica) até o início da próxima década. Mas essa conquista técnica corre o risco de virar estatística ineficaz se não vier acompanhada de investimentos equivalentes em transmissão, automação e armazenamento energético.


A realidade atual já mostra sinais de esgotamento. De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), somente em 2023 o Brasil enfrentou mais de 170 ocorrências de sobrecarga ou desconexão parcial de usinas renováveis, em grande parte por restrições na capacidade de escoamento ou falhas operacionais. Ainda segundo o ONS, o curtailment (descarte de energia gerada) em determinadas regiões do Nordeste já supera 10% da produção eólica em horários de pico, um número inaceitável em um país que ainda aciona termelétricas em períodos críticos.


A resiliência energética começa onde termina o entusiasmo com megawatts instalados. Ela exige redundância, com múltiplas rotas de escoamento energético. Exige previsão, com ferramentas capazes de simular cenários extremos e antecipar falhas. Exige monitoramento contínuo, com redes inteligentes e dados operacionais em tempo real. E exige capacidade de reação rápida, com protocolos claros para enfrentar desde uma sobrecarga até um ataque cibernético.


Sem essa base técnica sólida, o risco não é apenas de apagões ou flutuações na rede. O risco é estratégico: perder a confiança de consumidores, investidores e operadores, minando a credibilidade de um setor que precisa ser o pilar da transição energética.

A expansão da geração sem modernização da rede não é avanço. É ilusão com data de validade.


Os riscos estão aumentando. E são previsíveis


Eventos climáticos extremos, ataques cibernéticos, falhas em linhas de transmissão, sobrecargas e instabilidades na rede elétrica já não podem mais ser considerados exceções. São ocorrências recorrentes e plenamente previsíveis, diante da complexidade crescente dos sistemas energéticos modernos. O que antes era tratado como uma “anomalia estatística” hoje é parte do cenário permanente de operação.


Segundo o relatório World Energy Outlook 2023, da International Energy Agency (IEA), a frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos como ondas de calor, secas prolongadas e tempestades intensas tem pressionado operadores de rede em todo o mundo. A IEA afirma que os sistemas energéticos precisam ser projetados com maior flexibilidade, descentralização e resiliência técnica, especialmente em países com alta penetração de renováveis intermitentes, como o Brasil.


E os números nacionais confirmam essa tendência. De acordo com dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da Aneel, o Brasil registrou, apenas em 2023:

  • 4 grandes apagões regionais com impacto em múltiplos estados.

  • 1 apagão nacional, ocorrido em 15 de agosto, que afetou 25 estados e o Distrito Federal, interrompendo a operação de mais de 16 mil megawatts de carga e afetando mais de 60 milhões de brasileiros.

  • Impactos significativos sobre serviços essenciais: hospitais tiveram de recorrer a geradores de emergência, estações de metrô pararam, linhas de produção industrial foram interrompidas e escolas e universidades suspenderam aulas.


Além disso, a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) apontou em seus relatórios técnicos que a ausência de infraestrutura redundante e a baixa velocidade de resposta operacional foram fatores agravantes em pelo menos dois desses episódios. Ou seja, não foi apenas a falha que causou o dano foi a incapacidade de reação.


Em paralelo, o risco cibernético também cresce. Em 2022, o relatório Global Infrastructure Outlook, do World Economic Forum, já alertava que os sistemas de energia est\u00e3o entre os alvos prioritários de ataques cibernéticos em infraestrutura crítica. E em 2023, a Eletrobras confirmou a ocorrência de um ataque que afetou sistemas internos, reforçando a vulnerabilidade crescente das redes digitais no setor.


Diante desse cenário, fica evidente que resiliência não é sobre evitar o risco, mas sim sobre reduzir os danos quando o risco inevitavelmente se concretiza. Ela define se o sistema colapsa em efeito cascata ou se consegue se adaptar rapidamente, isolar o problema e manter a operação com o mínimo de disrupção.


No contexto atual, não investir em resiliência é operar de forma deliberadamente vulnerável. E essa vulnerabilidade, cedo ou tarde, cobra seu preço seja em perdas financeiras, na reputação das empresas, na confiança dos consumidores ou na estabilidade da economia como um todo.


Decisões técnicas, não modismos


Resiliência energética não se constrói com slogans nem com metas genéricas. Ela exige decisões técnicas, fundamentadas em dados, cenários e riscos reais. Construir um sistema capaz de funcionar com estabilidade em meio a eventos extremos depende de escolhas estruturantes: onde alocar recursos, que regiões priorizar, quais tecnologias implementar e como equilibrar flexibilidade, robustez e eficiência econômica.


Isso significa abandonar a lógica simplista de que ampliar a capacidade de geração é sinônimo de segurança. O verdadeiro diferencial está na capacidade do sistema de se adaptar, operar sob pressão e se recuperar rapidamente. Para isso, é preciso avançar em áreas que ainda recebem pouca prioridade nos planos público e privado: investir em armazenamento energético, por meio de baterias e soluções híbridas integradas à rede; fortalecer a descentralização da geração, principalmente em regiões vulneráveis; acelerar a digitalização da operação, com redes inteligentes, sensores e controle automatizado; e promover uma diversificação real da matriz, reduzindo a dependência de poucas fontes ou regiões específicas. Segurança energética não se mede apenas pela quantidade gerada, mas pela capacidade de resposta do sistema como um todo.


Segundo o estudo “Powering the Future” da McKinsey & Company (2023), sistemas com alta penetração de fontes renováveis variáveis (como solar e eólica) têm maior risco de instabilidade se não investirem paralelamente em tecnologias de flexibilidade, como baterias, resposta à demanda e gestão digital da rede. O relatório mostra que a cada 10 GW de capacidade renovável adicionada sem soluções de controle, há um aumento estimado de até 15% na probabilidade de eventos de desconexão em redes frágeis.


Outro ponto crítico está na ausência de regionalização estratégica. Regiões com alto potencial de geração, como o Nordeste brasileiro, ainda enfrentam gargalos de transmissão e escoamento. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) já alertou, em seu Plano Decenal 2032, que sem reforço nos sistemas de transmissão, os riscos de curtailment continuarão crescendo desperdiçando energia limpa e comprometendo a confiabilidade da rede.


Além disso, estudos do World Bank Group indicam que investimentos em redes inteligentes e digitalização têm retorno econômico superior a 2,5 vezes o valor investido ao longo de 10 anos, graças à redução de perdas, aumento de eficiência e menor necessidade de acionamento de termelétricas em picos de demanda.


Resiliência, portanto, não é uma camada extra. É a base técnica para que o sistema energético funcione de forma estável, previsível e econômica.


O desafio agora é abandonar soluções padronizadas que serviram no passado e encarar a complexidade do presente com ferramentas adequadas. Porque insistir em um modelo baseado apenas na expansão da geração sem repensar a operação é colocar uma estrutura nova sobre fundamentos frágeis. E cedo ou tarde, isso colapsa.


A responsabilidade é coletiva


Falar em resiliência energética como se fosse um dever exclusivo do Estado ou das grandes operadoras do setor é não entender a complexidade do sistema. A responsabilidade por garantir um setor energético estável, adaptável e seguro é compartilhada entre todos os agentes da cadeia, do microempreendedor ao governo federal. Trata-se de um ecossistema interdependente, em que decisões aparentemente locais podem ter efeitos estruturais.


Desde o empreendedor que projeta uma pequena usina solar e decide como será feita a conexão à rede, até a distribuidora que define quais áreas receberão investimento em automação e sensores de rede, todos exercem influência direta sobre a capacidade do sistema de reagir a falhas, prevenir sobrecargas ou retomar a operação após eventos críticos.


A resiliência começa na decisão de projeto, na qualidade dos equipamentos, no desenho dos contratos, na integração de soluções digitais e no planejamento de longo prazo. Ela se constrói no detalhe técnico, mas também na governança, na cultura de prevenção e na troca de informações entre os atores da cadeia.


De acordo com estudo da IRENA (International Renewable Energy Agency), sistemas energéticos resilientes exigem uma coordenação ativa entre governo, operadoras, produtores independentes, usuários industriais e fornecedores de tecnologia, com protocolos claros e canais permanentes de comunicação. Ainda segundo a agência, as falhas de resposta em eventos extremos estão frequentemente ligadas à ausência de coordenação entre agentes, e não apenas a limitações técnicas.


No Brasil, o Plano Nacional de Energia 2050, elaborado pela EPE, já reconhece a necessidade de envolver municípios, cooperativas, investidores privados e desenvolvedores locais no planejamento energético sobretudo em um cenário de descentralização e crescimento da geração distribuída.


Além disso, um levantamento da BloombergNEF (2023) mostra que empresas que incorporam práticas de gestão de risco energético em seus processos operacionais têm desempenho financeiro até 15% superior em períodos de crise, quando comparadas a concorrentes que tratam energia apenas como insumo contratual.


Ou seja, não se trata apenas de evitar apagões. Trata-se de garantir a continuidade de negócios, a confiança do mercado e a segurança de populações inteiras.

Transformar previsões em ação, como se diz, depende de estrutura, mas também de decisão. Depende de quem escolhe atuar preventivamente e quem prefere reagir depois da crise. E nesse ponto, o setor de energia precisa evoluir de uma lógica de reação para uma cultura de antecipação.


Sem resiliência, não há continuidade


Resiliência energética não é um luxo, nem uma tendência temporária. É uma exigência técnica, econômica e estratégica para um setor que precisa entregar continuidade, confiabilidade e segurança em meio a cenários cada vez mais imprevisíveis.


Como especialista com mais de uma década acompanhando a transição energética no Brasil e construindo soluções ao lado de empresas, investidores e operadores, afirmo com clareza: não há futuro energético sustentável sem resiliência incorporada desde o projeto até a operação. Expandir geração sem preparar infraestrutura, sem investir em flexibilidade, armazenamento e digitalização é repetir um erro que já custou caro em outros países e que estamos começando a pagar por aqui.


O setor de energia precisa tomar uma decisão estrutural: seguir empilhando megawatts em um sistema vulnerável, ou encarar a resiliência como ela realmente é um requisito técnico para a continuidade dos negócios, a proteção das pessoas e a credibilidade do país como potência energética.


Essa escolha não é mais teórica. Ela é urgente, prática e já está impactando investimentos, políticas públicas e a confiança do mercado. E a responsabilidade é coletiva. Cada elo da cadeia tem o dever de agir com visão, responsabilidade e compromisso com o futuro.


Porque energia que não chega, não serve. E sistema que não reage, compromete tudo.


Sobre a autora 

Laís Víctor é especialista em energias renováveis e diretora executiva de parcerias, com 14 anos de atuação no setor de energia. Sua atuação inclui o desenvolvimento de negócios, estruturação de alianças estratégicas e apoio à atração de investimentos para projetos de transição energética, com foco na construção de ecossistemas sustentáveis e inovação no mercado global de renováveis. 


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