A Tarifa Branca envelheceu antes de amadurecer
- Felipe Figueiró

- há 2 dias
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Por Felipe Figeiró
Em junho de 2020, fiz um estudo chamado “Análise da Curva de Carga para Otimização Tarifária em Unidades Comerciais Multisite de Baixa Tensão”, onde o foco era enxergar a Tarifa Branca nas operações. Mesmo surgindo em 2018, teoricamente como uma tarifa mais moderna e inteligente, até 2020 ela não havia alcançado nem 1% do seu potencial, olhando o subgrupo B3. O mais preocupante é que, passados cinco anos, ela ainda se mantém nesse mesmo patamar, reforçando a falta de compreensão sobre seu papel no sistema elétrico.

Agora, em 2025, em meio a novas mudanças no setor, a ANEEL volta a discutir a Tarifa Branca, propondo sua reimplantação na baixa tensão, naqueles "grandes" clientes. É natural que, quando se fala em tarifa, surja um certo ceticismo. Mas, sendo direto, a Tarifa Branca nunca foi somente um modelo tarifário, ela sempre foi uma oportunidade de repensar o comportamento do consumo elétrico no Brasil. A sua essência não é arrecadatória, mas deveria ser educativa e um "alívio" de operação.
Na época do estudo, meu objetivo era avaliar se essa modalidade poderia gerar eficiência real em consumidores do grupo B3. Trabalhei com uma média de consumo total de 500 kWh/mês, um valor bastante coerente para unidades comerciais típicas. A proposta atual da ANEEL amplia esse limite, aplicando automaticamente a modalidade a quem consome mais de 1.000 kWh/mês. O conceito é bom em modular o consumo conforme o custo horário, aliviar o pico do sistema e induzir o uso consciente da energia. O problema é que, ao se olhar para a equação prática, o sinal de preço, isoladamente, não é suficiente para mudar o comportamento do consumidor.

Como dado para análise, em fevereiro de 2020, a minha pesquisa apontava que o subgrupo B3 possuía cerca de 9 mil unidades na Tarifa Branca, o B1 contava com 31 mil unidades, e o B2 apenas 380 unidades. Comparando com 2025, observamos que o subgrupo B3 registrou uma queda de 3,73%, enquanto o B1 cresceu 78% e o B2 aumentou 15%. Embora esses números sejam maiores do que os observados na época do estudo, eles ainda representam menos de 1% do potencial total de consumidores, o que reforça que, mesmo após cinco anos, a modalidade não conseguiu avançar de forma significativa, mesmo crescendo mais de 70% em 5 anos.
Vale lembrar como a Tarifa Branca funciona. Ela é uma "tarifa horária", com três postos tarifários: fora ponta, intermediário e ponta. Cada um deles possui custos diferentes, a fora ponta é a mais barata, a intermediária faz a transição, e a ponta, de fato, é o horário que pode inviabilizar qualquer operação se houver consumo elevado e desorganizado. Diferente da tarifa convencional, que tem um valor único, a branca adiciona complexidade e flexibilidade ao mesmo tempo, exigindo uma gestão mais ativa. As parcelas TUSD e TE também se comportam distintamente, ampliando as variáveis de análise.

Então, diferente de uma tarifa chamada convencional onde temos somente um custo único, a branca abrange mais modelos. E claro, não vou me aprofundar nisso, mas as questões de TUSD e TE também serão diferenciadas. Quando comparei, em 2020, algumas distribuidoras (Copel, CPFL Paulista, Enel SP,
Equatorial CEEE, Light e RGE Sul), observei diferenças bem definidas em relação à tarifa convencional:
⚡ TUSD Ponta Branca: 145,3% mais cara que a convencional; ⚡ TUSD Intermediária: 62% mais cara; ⚡ TUSD Fora de Ponta: 21,5% mais barata; ⚡ TE Ponta Branca: 59,3% mais cara.
O mais interessante é que, ao refazer as avaliações agora em 2025, com as mesmas distribuidoras, percebi que as proporções praticamente não mudaram. As diferenças percentuais entre a Tarifa Branca e a Convencional seguem quase idênticas às de 2020, confirmando o que o estudo já antecipava: não houve ganho real de elasticidade no modelo. Mesmo com novas discussões e uma demanda maior por eficiência no sistema elétrico, o incentivo econômico não evoluiu. A tarifa envelheceu antes de amadurecer.

Os resultados do estudo demonstraram que o ponto de equilíbrio só existia quando o consumo no horário de ponta ficava abaixo de 15% a 20% do total da carga. Acima disso, a economia desaparecia e o modelo se tornava inviável. E mesmo quando a redução era bem conduzida, os ganhos eram modestos. Na época, consegui bons resultados somente ao reduzir o consumo na ponta entre 20% e 50%, o que gerava, em média, de 4% a 6% de economia total. Um percentual que, isoladamente, pode parecer insignificante para um single-site, mas que passa a ser relevante em operações multisite, especialmente ao combinar a tarifa a outros produtos de mercado e estratégias de gestão mais amplas.

Esse comportamento acabou sendo confirmado pela própria Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Em dezembro de 2020, a ANEEL publicou o Relatório de Acompanhamento da Tarifa Branca (ARR nº 01/2020-SGT/SRM), e teve então o pleno reconhecimento que a adesão à modalidade havia ficado abaixo de 0,1% do total de consumidores e que a redução média nas faturas girava em torno de 4%, exatamente dentro da faixa observada no meu estudo. A ANEEL entende que não se produziu o deslocamento esperado na carga justamente por um sinal de preço que ficou isolado, não gerou a elasticidade assim como eu demonstrei nas análises e dados.
Ao aprofundar as análises, identifiquei algo ainda mais interessante já que as empresas que conseguiam manter o consumo de ponta abaixo de 10% do total eram, geralmente, as mais elegíveis para a Tarifa Branca, alcançando ganhos financeiros consistentes. Já em segmentos com forte operação noturna, refrigeração constante ou longas jornadas de atendimento, seria necessário reduzir até 40% do consumo na ponta para atingir o ponto ótimo de benefício tarifário. Essa exigência é tecnicamente possível, mas economicamente questionável. Se uma redução de 40% no consumo pode gerar queda de 60% nas vendas, qual o sentido prático de mudar? Esse dilema mostra o limite da elasticidade comportamental, a linha entre o que é tecnicamente viável e o que é racional para o negócio.

Essa análise reforça uma conclusão central dentro da tarifa, onde o modelo não tem elasticidade suficiente para induzir mudança significativa de comportamento. Forçar a adesão sem alterar a estrutura de incentivos nunca resolverá o problema. A Tarifa Branca se mantida da mesma maneira, vai seguir sem o poder de estímulo necessário. O sistema aposta que o consumidor reagirá ao preço, mas o que realmente move a mudança é a previsibilidade, a informação e a confiança. O preço, isolado, não educa e ele somente penaliza quem não entende o que consome.
A elasticidade comportamental é o que define o quanto um consumidor pode ou está disposto a ajustar seu uso de energia diante de um estímulo econômico. Nos segmentos de baixa tensão, essa variável é especialmente crítica. Aqui, a decisão de deslocar o consumo não é somente tarifária, ela vai ser operacional, cultural e até psicológica. E há uma diferença clara entre um consumidor single-site, que age isoladamente, e um multisite, que pode equilibrar perfis de consumo distintos e compensar variações. É nesse tipo de estrutura descentralizada que a Tarifa Branca encontra mais espaço para gerar valor.
Cinco anos depois do meu estudo, a volta com a fala da "tarifa horária" como a modalidade padrão em consumidores acima de 1.000 kWh/mês da baixa tensão. A proposta é coerente com a realidade atual, visto que temos energia solar abundante durante o dia, e uma escassez para a noite que gera um pico que segue onerando a rede. Para a entrada a fala segue lá de 2018, se precisa de hardware, medidores mais inteligentes. A mudança é necessária, mas ainda superficial. Ter um medidor moderno não é o mesmo que entender o consumo. O hardware é apenas o elo. A verdadeira transformação virá quando o consumidor puder interpretar, reagir e planejar a partir da informação.
Acabei colocando peso no estudo ao escolher segmentos que melhor estavam no consumo horário, ainda mais quando focamos em perfis mais diurnos como bancos, e alguns comércios e redes de varejo, esses acabavam tendo naturalmente o melhor enquadramento na Tarifa Branca, mas não percebiam valor em migrar. Sem visibilidade horária, o incentivo era invisível. E quando o incentivo não é percebido, o comportamento não muda.
Com a mudança do consumidor e da forma que esperamos melhorias nos produtos de mercado, principalmente para a baixa tensão que é mais de 90% das cargas do setor e pelo menos 53% do consumo de energia do país, enxergar esse cenário exige mais do que incentivo, é preciso ser diferente de forma inteligente. A Tarifa Branca precisa ser vista como uma ponte entre o modelo regulado e o futuro, como por exemplo com a chegada do mercado livre de energia. Essa transição não será somente uma questão de lei, mas vai ser muito cultural e comportamental. O consumidor de baixa tensão que aprender agora a interpretar sua curva horária, entender seus picos e planejar o consumo estará muito mais preparado para atuar em um ambiente livre ou com mais produtos. Sem diferenciação tarifária, não há estímulo à inovação. E sem inovação, a abertura do mercado corre o risco de repetir os mesmos erros do passado, somente com nova roupagem contratual.
A Tarifa Branca pode e vou dizer que ela deve ser o embrião de uma nova lógica de consumo, aquela que vai ser mais informada, mais autônoma e mais orientada por dados. Quando o consumidor compreende sua curva de carga, ele deixa de ser espectador do sistema e passa a ser protagonista da eficiência. Essa maturidade é o que permitirá avançar para mecanismos de resposta à demanda, Virtual Power Plants (VPP), precificação dinâmica e comunidades energéticas descentralizadas. Alguns ou até todos esses pontos são realidades em países como Reino Unido e Austrália. Um passo importante para uma evolução mais eficiente do sistema de energia para todos consumidores. O Brasil ainda é limitado a ter "benefícios" apenas na média e alta tensão.
O avanço virá quando a informação for tratada como infraestrutura, e não como luxo. Quando o dado horário for acessível e confiável, o consumidor agirá com base em fatos e não em suposições. Com dados claros, previsibilidade e comparação entre unidades, a elasticidade deixará de ser teoria e se tornará comportamento. A informação é a base de uma cultura energética madura, e sem ela, qualquer tarifa continuará sendo apenas uma tabela de preços.
Acredito fortemente que a Tarifa Branca é mais do que uma mudança tarifária (já existente, apenas sem adesão), é uma mudança de mentalidade. Sem pelo menos um teste extra, podemos acabar tendo um risco de entender melhor maiores tarifações e até mesmo se isso pode implicar na abertura de mercado pensando em preparar o consumidor para lidar com o consumo dinâmico. E sem diferenciação tarifária, não haverá incentivo à eficiência nem espaço para inovação. Lá em 2020, acabei concluindo que a Tarifa Branca morreria se não viesse acompanhada de informação e compreensão ou se não trouxesse de fato do por que devemos usar. Em 2025, a ANEEL reanima esse conceito. O desafio agora é fazer diferente. Eficiência não se decreta, ela precisa ser construída com dados, educação e comportamento.
O medidor é um grande e forte elo. A informação vai ser nossa ponte. O comportamento é o transformador da mudança. E é essa tríade que vai definir o verdadeiro futuro da energia, não somente na baixa tensão, mas no contexto completo do Brasil.
Não é sobre vender energia, é sobre entender a energia.
Abaixo a apresentação realizada sobre o estudo, para contextualizar melhor a visão estratégica por trás.
Sobre o autor
Felipe Figueiró é engenheiro eletricista, com dois MBAs focados em inovação, liderança e inteligência de mercado. Atua há mais de 11 anos no setor elétrico e tem como visão transformar dados em estratégias inteligentes e eficientes.
A Tarifa Branca envelheceu antes de amadurecer



























Muito bom Felipe, parabéns por seu artigo.