Energia “de graça” na Austrália
- Daniel Lima

- há 2 dias
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Por Daniel Lima – ECOnomista
A Austrália se prepara para dar um passo ousado na democratização da energia limpa: vai obrigar as empresas de energia a oferecer eletricidade gratuita às residências durante 3 horas diárias, visando usar o excedente da capacidade solar e diminuir o uso do carvão e gás.
A partir de julho de 2026, consumidores de Nova Gales do Sul, Austrália do Sul e parte de Queensland terão acesso a até três horas diárias de eletricidade gratuita, no período em que a geração fotovoltaica atinge seu pico.
A intervenção é para aproveitar a produção de energia dos telhados solares de mais de 4 milhões das 11 milhões de residências do país que ultrapassou a produção combinada das usinas termelétricas a carvão.

Isso levou o preço da energia diurna em alguns momentos a ficarem negativos, já que as residências alimentadas por energia solar produzem mais energia do que consomem.
O programa Solar Sharer, viabilizado por medidores inteligentes, busca ampliar os benefícios da energia solar para quem não dispõe de telhado próprio, permitindo que apartamentos e casas sem infraestrutura adequada aproveitem o excedente produzido pela vizinhança.
Com custos de instalação significativamente baixos e uma taxa de adoção superior a um terço dos lares, o país consolida sua posição como referência mundial em políticas de incentivo à geração distribuída e gestão inteligente da demanda.
Comparação entre Austrália (Solar Sharer) e Brasil

Contexto regulatório e tarifário
A Austrália avança com janelas de preço zero no meio do dia para capturar excedentes fotovoltaicos e deslocar consumo, algo que requer regras claras para tarifação dinâmica e medição inteligente. No Brasil, há pilotos de tarifa dinâmica e time-of-use em baixa tensão (como o “Conta Inteligente” de uma concessionária local), sinalizando um movimento semelhante, mas ainda em fase de teste e não universalizado. O debate regulatório sobre reformas tarifárias segue ativo, com medidas que podem alterar compensações e abrir espaço para preços por horário, aproximando o país de modelos com sinalização mais granular de custo e flexibilidade.
Infraestrutura de medição e digitalização
O Solar Sharer depende de medidores inteligentes para contabilizar e aplicar o preço zero com precisão. O Brasil iniciou diretrizes nacionais: há consulta pública para implantação de medidores inteligentes e uma portaria normativa que estabelece a digitalização das redes, com meta de substituição de medidores até 2035 e implantação inicial em cerca de 4% das unidades consumidoras. Essa infraestrutura é condição para ampliar tarifas horárias, resposta da demanda e controle de cargas, viabilizando políticas semelhantes às australianas.
Adoção de geração distribuída e impactos no sistema
Ambos os países têm forte penetração de solar distribuída. No Brasil, a GD ultrapassou 40 GW em 2025, com crescimento acelerado e milhões de sistemas conectados, tornando-se grande força de adição de capacidade e com expansão empresarial relevante (2 GW corporativos adicionados em 2025 e R$ 9 bilhões investidos).
O setor reconhece benefícios, mas também aponta desafios técnicos: excesso diurno, controle descentralizado e risco operacional, o que tem impulsionado a aposta em armazenamento como complemento à GD. Isso reforça que políticas de preço zero no meio do dia precisam vir acompanhadas de mecanismos de proteção e de flexibilidade.

Viabilidade de um “Solar Sharer” à brasileira
Pré-requisitos técnicos: medidores inteligentes, telemetria e plataformas de tarifação dinâmica integradas às distribuidoras, além de automação residencial e empresarial para sincronizar cargas com preços por horário.
Alinhamento regulatório: evolução de modelos tarifários da ANEEL e diretrizes do MME para preços temporais mais granulares, garantindo aderência com metas de modernização da rede e segurança do sistema.
Integração de armazenamento e GD: incentivar baterias distribuídas e soluções de agregadores de demanda para suavizar rampas vespertinas e reduzir riscos de blecautes; o setor já aponta armazenamento como peça-chave para mitigar o excesso diurno.
Oportunidades para empresas e consumidores
Empresas: capturar valor com tarifação dinâmica, otimização de curvas de carga, projetos híbridos (FV + BESS), contratos flexíveis e resposta da demanda. A penetração de GD e a digitalização criam espaço para agregadores e serviços de energia baseados em dados.
Consumidores: reduzir contas ao deslocar uso para o meio do dia; com medidor inteligente, automação e aparelhos programáveis, a sincronia com janelas baratas ou grátis potencializa a economia, replicando a lógica australiana.
Riscos e mitigadores
Risco sistêmico: concentração de geração solar e rampas de fim de tarde.
Mitigação: armazenamento distribuído, controle de cargas, incentivos a deslocamento para horários não críticos e coordenação com o ONS e distribuidoras.
Risco regulatório: incerteza sobre compensações e desenho de tarifas.
Mitigação: contratos bem estruturados, cláusulas de ajuste, monitoramento regulatório contínuo e participação em consultas públicas.
Risco de adoção: custo de medidores e automação.
Mitigação: programas de financiamento e subsídios direcionados, priorizando regiões com alta penetração de GD.
Recomendações práticas para um piloto no Brasil
Selecionar áreas com alta GD e rede preparada: escolher concessões com maior penetração solar e Infraestrutura AMI (Advanced Metering Infrastructure) que é um sistema de medição avançada que permite comunicação bidirecional entre concessionárias de energia e consumidores, coletando e analisando dados de consumo em tempo real, garantindo medição e faturamento horários confiáveis.
Definir janelas de preço zero moduláveis: começar com 2–3 horas no meio do dia e ajustar conforme excedentes e condições de rede, com sinalização prévia aos consumidores.
Incentivar automação e cargas flexíveis: parcerias com fabricantes de EVs, bombas de calor, boilers elétricos e controles IoT para facilitar programação de consumo nas janelas grátis.
Integrar armazenamento distribuído: incluir baterias em residências e comércios com remuneração por serviços de flexibilidade, reduzindo rampas e agregando estabilidade.
Monitorar impactos e publicar métricas: economia média por unidade, redução do pico noturno, perdas técnicas e qualidade de serviço; usar resultados para escalar políticas e ajustar tarifas.

A experiência australiana com o programa Solar Sharer mostra que políticas de tarifação dinâmica e janelas de preço zero podem transformar excedentes solares em benefício coletivo, democratizando o acesso à energia limpa e reduzindo pressões sobre o sistema elétrico.
Ao deslocar o consumo para o meio do dia, quando a geração fotovoltaica é abundante, o país não apenas diminui a dependência de fontes fósseis no período noturno, mas também fortalece a integração entre geração distribuída, automação e digitalização da rede.
No Brasil, o potencial é igualmente promissor. A elevada penetração da geração distribuída, somada ao avanço gradual da infraestrutura de medição inteligente (AMI), cria condições para pilotos que testem tarifas horárias e períodos de energia gratuita.
A adoção de automação residencial e empresarial, aliada ao armazenamento distribuído, pode ampliar a flexibilidade e garantir estabilidade ao sistema.
Portanto, replicar iniciativas semelhantes no Brasil não é apenas viável, mas estratégico: abre caminho para uma transição energética mais justa, eficiente e competitiva. Com planejamento regulatório, incentivos à digitalização e integração de tecnologias, o país pode transformar o excedente solar em vantagem econômica e social, redefinindo o papel do consumidor como protagonista da modernização elétrica.
Sobre o autor:
Economista com MBA em Arquitetura, Construção e Gestão de Construções Sustentáveis, Daniel Lima construiu uma carreira plural e estratégica, atuando nos setores público, privado e terceiro setor.
Com ampla experiência em projetos sustentáveis e captação de recursos nacionais e internacionais, Daniel se destacou como Coordenador Geral do PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste, onde liderou iniciativas de impacto regional.
Atualmente, é especialista e consultor em energia solar e armazenamento de energia, Diretor da GVD Energia, CEO da Agrosolar Investimentos Sustentáveis, e Conselheiro da Energia Verde do Brasil EVBIO, contribuindo para a transição energética e o fortalecimento da economia verde no país.
Seu trabalho une visão econômica, inovação tecnológica e compromisso ambiental pilares essenciais para um futuro mais justo e sustentável.
Energia “de graça” na Austrália












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