MERCADO LIVRE, CURTAILMENT E DÉFICIT: O CUSTO DA FALTA DE PLANEJAMENTO ENERGÉTICO NO BRASIL
- Arthur Oliveira

- 12 de jul.
- 5 min de leitura
O setor elétrico brasileiro vive um momento paradoxal. De um lado, há avanços inegáveis: a energia solar cresce como nunca, o mercado livre se expande e a transição energética parece mais concreta.
Por Arthur Oliveira, Colunista do EnergyChannel

De outro, há sinais de alerta por todos os lados. O curtailment solar – o desperdício de energia gerada e não aproveitada bate recordes. A infraestrutura de transmissão não acompanha o ritmo das novas fontes. E o próprio Operador Nacional do Sistema (ONS) projeta um déficit no atendimento ao pico da carga nos próximos anos. Há um descompasso evidente entre o progresso tecnológico, a regulação e a infraestrutura existente.
A seguir, exponho esses desafios interligados, suas causas e caminhos possíveis para garantir um sistema energético mais equilibrado e eficiente.
CURTAILMENT SOLAR: DESPERDÍCIO DE ENERGIA LIMPA
A energia solar deveria ser motivo de orgulho no Brasil. Afinal, temos abundância de sol e uma das maiores capacidades instaladas do mundo. Mas o que se vê é um cenário alarmante: só em 2024, foram desperdiçados 4.330 GWh de energia solar o equivalente a 4,4 TWh. Em junho de 2025, o curtailment chegou a um pico inaceitável de 27,8%. Ou seja, mais de um quarto de toda a energia que poderia ser injetada no sistema foi simplesmente cortada.
Segundo o ONS, 88% desses cortes são provocados por excesso de oferta, e 12% por limitações na transmissão. A situação é crítica no Nordeste, onde se concentra 78% da capacidade solar centralizada (20,8 GW). Além disso, a geração distribuída (MMGD), que já soma 38 GW, reduz a demanda líquida no meio do dia em até 43,7% às 13h, o que empurra as usinas centralizadas ao desligamento.
Esse é um desperdício duplo: de energia limpa e de investimentos. As perdas só aumentam com o passar do tempo: no primeiro trimestre de 2024, foram 330 GWh (2,1%), no segundo, 1.150 GWh (6,8%), e no terceiro, 1.980 GWh (11,2%).
Como será o futuro? O ONS projeta um curtailment médio de 20,1% até 2029, com picos de 31,8 GW entre 9h e 15h. Isso representa perdas de R$ 1,44 bilhão por ano, assumindo um PLD de R$ 200/MWh. A situação tende a se agravar: a capacidade de exportação do Nordeste caiu de 17,5 GW para 14,9 GW após o colapso de 2023, e 68% das usinas solares anteriores a 2023 não atendem requisitos técnicos mínimos, como suporte a variações de frequência. Estamos, portanto, construindo usinas que geram energia – mas não conseguem entregá-la.
MERCADO LIVRE: CRESCIMENTO COM OBSTÁCULOS

O mercado livre é uma das promessas de modernização do setor, e os números mostram que ele está ganhando corpo. Em 2025, o número de consumidores chegou a 5.800, frente a 5.200 em 2024 um crescimento de 11,5%. A região Sudeste lidera com 520 mil MWh consumidos (+15,6%), seguida pelo Nordeste (+11,1%), Sul (+8,3%) e Norte (+6,3%).

A indústria continua sendo o motor do mercado, com 2.800 unidades consumidoras (48% do total), crescendo 12%. O varejo também vem forte, com alta de 16,7% e 1.400 unidades. Destaque para setores como o têxtil (+25%) e o de alimentos (+18%). Por outro lado, as telecomunicações caíram 2%, reflexo talvez da automação e eficiência energética.
Entre os maiores consumidores, os nomes impressionam: Duratex (SP) com 19.110 MWh, Raízen (SP) com 12.414 MWh, e ArcelorMittal (SC) com 11.700 MWh. A concentração no Sudeste reforça a desigualdade estrutural do sistema.
Mas nem tudo são flores. A desaceleração recente do crescimento no mercado livre mostra que há entraves sérios. A incerteza regulatória pesa. E o curtailment, ao reduzir a rentabilidade das usinas solares, desestimula novos projetos no ACL. Enquanto isso, a MMGD, que está isenta de cortes, distorce o jogo: empresas optam por soluções que não são necessariamente mais eficientes, mas sim menos penalizadas. Isso cria um mercado assimétrico e desincentiva a competição justa.
DÉFICIT NO PICO DA CARGA: UM DESAFIO CRÍTICO
Outro ponto crítico é o atendimento à demanda no horário de pico (19h-20h). Segundo o Plano da Operação Energética (PEN 2025), a carga global aumentará 14,1% até 2029, passando de 82.871 MW médios para 94.573 MW. Já a demanda máxima saltará 15,5%, de 108.131 MW para 124.879 MW.
A rampa de carga entre 13h e 19h será de 60 GW, e à noite a solar simplesmente não está disponível. Isso exige fontes flexíveis – e hoje, essas fontes são majoritariamente térmicas. O agravante é que o consumo de data centers vai explodir: de 81 MW médios em 2025 para 574 MW em 2029. A própria expansão do mercado livre aumenta a demanda.
Mesmo com usinas térmicas merchant e a expansão da exportação do Nordeste em 1,5 GW, o déficit persiste, sobretudo em 2025 e 2026. E é preciso lembrar: só 13% do curtailment ocorre à noite. Ou seja, não adianta apenas focar em reduzir o desperdício diurno – é preciso pensar em flexibilidade real para o horário do pico.
A Bahia sofre com cortes por indisponibilidade externa, e o Rio Grande do Norte por restrições de confiabilidade. É o retrato de um sistema que cresceu, mas não se preparou para funcionar em alta performance.
SOLUÇÕES PARA O FUTURO
A boa notícia é que os problemas estão diagnosticados – e há soluções na mesa. Tudo está interligado: o curtailment reflete falhas na transmissão, que também afetam o pico da carga. A assimetria regulatória desorganiza o mercado livre. Portanto, o enfrentamento tem que ser sistêmico.
Algumas medidas concretas em discussão incluem:
Expansão da Transmissão: Instalar compensadores síncronos de 600 Mvar no RN para reforçar a exportação do Nordeste durante o dia.
Controle Operacional Inteligente: O uso de Redes Elétricas Distribuídas (REDs) pode reduzir o curtailment em 41%, liberando 2.950 MW médios para o sistema.
Regulação e Armazenamento: As emendas do deputado Arnaldo Jardim à MP 1300 propõem que as perdas por curtailment sejam compensadas com créditos para extensão de outorga. Isso evita prejuízo ao gerador, sem repassar custo ao consumidor. Jardim também propõe incentivos à instalação de baterias, que permitiriam deslocar a energia solar para o pico noturno, ajudando a reduzir a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e preservar programas como o Luz para Todos.
Atualização Técnica: Exigir que usinas atendam critérios básicos, como suporte a frequência de 47,5 a 51,5 Hz e controle de tensão de ±10% em até 1,5s.
CONCLUSÃO
O Brasil avança, mas tropeça. A energia solar cresce (20,8 GW centralizados, 38 GW em MMGD). O mercado livre se expande (+11,5% em consumidores). Mas a infraestrutura, a regulação e o planejamento estratégico não acompanham esse ritmo.
O curtailment de 27,8% em junho de 2025, as perdas de 4,4 TWh em 2024, a desaceleração do mercado livre e o déficit projetado até 2029 (com carga de 94.573 MW médios) mostram que estamos diante de um impasse.
As propostas que estão em debate – como as emendas de Arnaldo Jardim, os investimentos em transmissão, os créditos compensatórios e o uso de baterias – não são apenas viáveis. São urgentes.

Fontes:
CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica). (2024–2025). Dados de consumo – PARCELA_CARGA_CONSUMO. Infomercado. Licença CC-BY-4.0. Disponível em: www.ccee.org.br
ANEEL. (2025). Relatório Anual de Consumo. Disponível em: www.aneel.gov.br
EPE. (2025). Balanço Energético Nacional. Disponível em: www.epe.gov.br
ONS. (2025). Diagnóstico e Perspectiva da Evolução dos Cortes de Geração no Brasil. RT ONS DGL 0189/2025.
MERCADO LIVRE, CURTAILMENT E DÉFICIT: O CUSTO DA FALTA DE PLANEJAMENTO ENERGÉTICO NO BRASIL











Obrigado por compartilhar
Bom dia pessoal, muito bom o artigo Arthur, todos os seus conteúdos são bem importante para nosso mercado, obrigado