NOTA TÉCNICA CONJUNTA Nº 13/2025: AVANÇOS E DESAFIOS NA REGULAMENTAÇÃO DO ARMAZENAMENTO DE ENERGIA NO BRASIL
- EnergyChannel Brasil

- 8 de ago.
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A recente publicação da Nota Técnica Conjunta nº 13/2025 marca um avanço importante na agenda regulatória do setor elétrico brasileiro, sobretudo por definir diretrizes claras para a incorporação dos Sistemas de Armazenamento de Energia (SAE) ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Ao fazer uma leitura técnica do documento, ao qual contribuímos por meio da COC Energia e Engenharia, percebo que, embora ainda incipiente em termos de normatização final, a nota sinaliza com clareza uma abertura regulatória para novos modelos de negócio baseados em armazenamento. Isso inclui iniciativas que vêm sendo desenvolvidas por autoprodutores de energia, consórcios industriais e empreendedores do Ambiente de Contratação Livre (ACL).

Além disso, vejo que o documento consolida entendimentos já colhidos na Consulta Pública nº 39/2023 e antecipa pontos que serão tratados no segundo ciclo do roadmap regulatório, previsto para até janeiro de 2026, o que reforça a importância estratégica desse movimento para o futuro do setor. Para mim, essa Nota Técnica é uma indicação clara de que o setor está caminhando para incorporar inovação e flexibilidade, abrindo espaço para que o armazenamento de energia se torne um componente fundamental da matriz energética brasileira.
Cronograma do Roadmap Regulatório:
Ciclo | Período | Principais Temas |
1º Ciclo | 2023 a 2025 | Regulação de SAE (exceto UHR ciclo aberto), conceitos, outorga, acesso à rede, ajustes de barreiras. |
2º Ciclo | 2026 | SAE como ativo de transmissão/distribuição, mitigação de curtailment, UHR ciclo aberto/semifechado, revisão de procedimentos. |
3º Ciclo | A partir 2027 | Aprimoramentos em comercialização, agregadores de serviços, simulação de impactos. |
DEFINIÇÕES E MODELO DE CLASSIFICAÇÃO DOS SAE
Um dos maiores avanços trazidos pela Nota Técnica Conjunta nº 13/2025 foi eliminar a incerteza jurídica sobre “o que é” um Sistema de Armazenamento de Energia (SAE) perante a lei. No caso do SAE Autônomo, a decisão de enquadrá-lo como Produtor Independente de Energia (PIE) amparada pelo Parecer nº 89/2025 da Procuradoria
Federal junto à ANEEL representa um marco regulatório. Esse reconhecimento estabelece a equivalência funcional do SAE com um gerador, já que ambos injetam potência e prestam serviços sistêmicos à rede. Com isso, o SAE passa a contar com um regime jurídico robusto e conhecido, facilitando o acesso a contratos, financiamentos e à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
Para o SAE Colocalizado, ou seja, projetos que adicionam baterias a uma usina existente (solar, eólica etc.), o processo regulatório foi significativamente simplificado: em vez de uma nova e complexa outorga, a inclusão do armazenamento será tratada como uma mera alteração de características técnicas do ativo original. Essa medida reduz burocracia, tempo e custos, tornando mais ágil a integração de soluções de armazenamento a parques geradores já operacionais.
No caso das Usinas Hidrelétricas Reversíveis, apenas o modelo de ciclo fechado que não utiliza recursos hídricos da União — foi regulamentado neste momento, com outorga simplificada via autorização. Já os modelos de ciclo aberto e semiaberto, que possuem implicações jurídicas e ambientais mais complexas, foram postergados para o segundo ciclo do roadmap regulatório, permitindo que sejam tratados com a devida cautela.
A nota também propõe uma estrutura funcional para os SAE baseada em três frentes:
Tecnológica – com neutralidade entre diferentes soluções, como baterias de lítio, sistemas de ar comprimido e volantes de inércia;
Operacional – abrangendo funções que vão do nível de rede ao nível do consumidor, incluindo suporte à frequência, despacho e controle de rampa;
Regulatória – classificando os SAE como ativos híbridos, capazes de atuar tanto como carga quanto como geração, o que exige uma abordagem normativa específica.
Além disso, o documento define de forma clara as categorias colocalizado, híbrido e autônomo, tratando com distinção os casos em que há compartilhamento de infraestrutura de conexão, transformadores ou sistemas de medição com outras fontes de geração, como solar e eólica.
FLEXIBILIDADE OPERACIONAL E INTEGRAÇÃO AO SIN
A NT 13/2025 aponta para a integração plena dos SAE ao Planejamento da Expansão e à Operação do Sistema. Um ponto técnico relevante é o reconhecimento do armazenamento como solução para:
Redução de perdas técnicas e custos com swap entre submercados;
Deslocamento de energia em horários de pico de PLD;
Melhoria dos níveis de tensão e frequência em redes de distribuição congestionadas;
Participação no Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP), algo até então restrito a térmicas e grandes hidrelétricas.
O documento também introduz a possibilidade de aplicação de curvas de capacidade para SAE em termos de carga e descarga, o que pode criar critérios objetivos para sua inserção em leilões, mecanismos de reserva e até no atendimento à demanda em sistemas isolados.
ENTRAVES TARIFÁRIOS E A PROMESSA DE MODERNIZAÇÃO
O eixo tarifário concentrou as definições regulatórias de maior impacto e relevância estratégica, refletindo diretamente na viabilidade econômica dos projetos com SAE.
A “Dupla Tarifação” (TUST/TUSD) – A ANEEL manteve a cobrança da tarifa de uso da rede tanto na carga quanto na descarga dos SAE, justificando que se tratam de dois serviços distintos que utilizam a infraestrutura em momentos e sentidos diferentes.
Contudo, a agência introduziu uma flexibilização relevante na contratação do Montante de Uso (MUST/MUSD): usinas com SAE poderão contratar uma demanda de injeção até 20% menor (para projetos novos) ou reduzir a demanda já contratada em 5% ao ano. Essa medida permite que o gerador use o SAE para “aparar” picos de geração, otimizando o uso da rede e reduzindo o custo fixo do “pedágio”.
Isenção de Encargos sobre Consumo
A decisão mais transformadora foi reconhecer que os SAE não são consumidores finais. A energia absorvida é classificada como “consumo funcional”, insumo necessário à sua operação. Assim, os SAE ficarão isentos de encargos setoriais atrelados ao consumo, como CDE, Proinfa, ESS, EER e ERCAP. Essa medida corrige uma distorção que inviabilizaria a maioria dos projetos, destravando o potencial econômico do armazenamento no Brasil.
Obrigações Mantidas
Como PIE, o SAE autônomo continuará sujeito à Taxa de Fiscalização (TFSEE) e, quando aplicável, aos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), garantindo isonomia com os demais agentes de geração.
COMERCIALIZAÇÃO E NOVOS MODELOS DE NEGÓCIO
A Nota Técnica Conjunta nº 13/2025 abre as portas para modelos de negócio mais sofisticados, alinhados com as práticas de mercados desenvolvidos.
Ao formalizar os Sistemas de Armazenamento de Energia (SAE) como Produtores Independentes de Energia (PIE), a ANEEL legitima a arbitragem de preços, operação que consiste em carregar energia quando o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) está baixo e descarregar quando está alto prática consolidada em mercados como o da Califórnia (CAISO) e do Reino Unido (National Grid), mas até então inexistente no Brasil.
O documento também reconhece a viabilidade do empilhamento de receitas, considerado a chave para a viabilidade financeira dos projetos. Com isso, um mesmo ativo poderá acumular receitas de múltiplas fontes, como:
Mercado de Energia: venda direta e arbitragem de PLD;
Serviços Ancilares: controle primário de frequência, controle de tensão e fornecimento de inércia sintética;
Mercados de Capacidade: participação em leilões para garantir potência disponível, como o Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP);
Redução de perdas ou de encargos;
Certificados de capacidade e flexibilidade (ainda em estudo pela CCEE e ONS).
A NT 13/2025 também propõe formalizar a participação de SAE colocalizados a consumidores no Programa de Resposta da Demanda, permitindo que usem suas baterias para modular o consumo e ofertar flexibilidade ao sistema. Essa medida cria uma oportunidade inédita para autoprodutores e comercializadores no Ambiente de Contratação Livre (ACL) operarem com mais liberdade, vendendo energia em momentos estratégicos e diversificando suas fontes de receita.
IMPACTOS POSITIVOS PARA A AUTOPRODUÇÃO DE ENERGIA
A nota também abre caminhos interessantes para modelos de Autoprodução de Energia, como os propostos por consórcios industriais, cooperativas e empresas de médio porte no ACL.
Primeiramente, há menção clara à necessidade de simplificar o processo de outorga para projetos com SAE, especialmente para aqueles colocalizados com geração renovável. A burocracia tem sido uma das maiores barreiras à entrada de novos agentes no setor, e a sinalização de simplificação — com revisão dos Procedimentos de Rede — atende diretamente aos empreendedores que apostam na autoprodução por locação, reduzindo riscos regulatórios e custos indiretos.
Além disso, a possibilidade de comercializar energia armazenada no ACL representa uma nova fronteira para os autoprodutores. Em vez de simplesmente consumir sua energia gerada, o autoprodutor poderá, estrategicamente, armazenar excedentes e revendê-los em momentos de PLD elevado, criando receitas adicionais e flexibilidade comercial. Essa inovação aproxima o Brasil do modelo já consolidado em mercados maduros como o da Califórnia.
Outro ponto que favorece diretamente a autoprodução é o empilhamento de receitas. A possibilidade de prestar serviços ancilares à rede (como controle de frequência) sem perder o direito de comercializar a energia armazenada abre uma nova dinâmica de negócio, especialmente rentável para autoprodutores com SAE colocalizados em regiões de alta volatilidade de preço.
Por fim, a inclusão dos SAE no Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) e os estudos para a criação de mapas de capacidade regionalizados permitem que investidores antecipem locais prioritários para a instalação de sistemas de armazenamento, favorecendo autoprodutores que pretendem se estabelecer em áreas críticas do SIN — como o Nordeste e parte do Centro-Oeste.
UMA AGENDA EM CONSTRUÇÃO: O QUE AINDA FALTA?
Apesar dos avanços, é importante ressaltar que muitos pontos-chave foram remetidos para o segundo ciclo do roadmap regulatório, o que significa que ainda há lacunas normativas importantes.
Entre os aspectos que merecem detalhamento, destacam-se:
A padronização de métricas de desempenho para SAE (como taxa de perdas e tempo de resposta);
A criação de sandboxes regulatórios para testar modelos operacionais e comerciais com consórcios de autoprodução;
E a revisão definitiva dos critérios de acesso e outorga, para que a simplificação proposta se torne realidade.
Enquanto isso, é fundamental que os agentes de mercado continuem participando ativamente das consultas públicas, contribuindo com experiências práticas e modelos de negócio viáveis, sobretudo os desenvolvidos fora do eixo tradicional de grandes geradores e distribuidoras.
CONCLUSÃO
A Nota Técnica Conjunta nº 13/2025 representa, sem dúvidas, um passo relevante e estratégico para a modernização da matriz elétrica brasileira. Embora ainda não seja normativa, ela pavimenta o caminho para a inserção estruturada do armazenamento de energia no setor elétrico, oferecendo um conjunto de sinalizações positivas para o investidor privado.
Para os autoprodutores e empreendedores do ACL, especialmente os que operam com modelos inovadores como locação de ativos e consórcios de energia renovável, o documento traz perspectivas reais de ganhos econômicos, regulatórios e operacionais desde que os pontos indicados avancem para regulamentações claras e aplicáveis.
Cabe agora aos formuladores de política pública, à ANEEL, ao MME e à EPE transformarem essas diretrizes em regras objetivas, que garantam segurança jurídica, isonomia regulatória e estímulo ao investimento em inovação energética no país.
NOTA TÉCNICA CONJUNTA Nº 13/2025: AVANÇOS E DESAFIOS NA REGULAMENTAÇÃO DO ARMAZENAMENTO DE ENERGIA NO BRASIL











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