O FUNDO DO POÇO AINDA NÃO CHEGOU: MP 1.304/2025 – UM ATENTADO TÉCNICO E REGULATÓRIO AO SETOR ELÉTRICO
- Arthur Oliveira
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Por Arthur Oliveira

Na minha opinião, a Medida Provisória nº 1.304/2025, publicada em 11 de julho de 2025 no Diário Oficial da União (Edição Extra A), é mais uma manobra desajeitada do governo, que, sob o pretexto de reorganizar o setor energético brasileiro, entrega um texto repleto de falhas.
A MP altera cinco leis que são a espinha dorsal do setor: a Lei nº 9.478/1997, que define a política energética; a Lei nº 10.438/2002, que gere a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE); a Lei nº 12.304/2010, que regula a PPSA; a Lei nº 12.351/2010, sobre o regime de partilha de produção; e a Lei nº 14.182/2021, que abriu as portas para a desestatização da Eletrobras. Supostamente, a MP veio para apagar o incêndio causado pela derrubada de vetos à Lei nº 15.097/2025, prometendo segurar os custos galopantes do setor elétrico e injetar competitividade no mercado de gás natural da União. Mas, ao analisar o texto oficial e o contexto regulatório, fica claro que, apesar da fachada de solução, a MP é um amontoado de falhas técnicas e regulatórias que podem deixar consumidores e investidores pagando a conta – literalmente. Neste artigo, destrincho cada artigo da MP, seus impactos nos setores elétrico e de gás natural e os desafios que, para mim, mostram que o governo está mais perdido do que nunca.
CONTEXTO DA MP Nº 1.304/2025: UM SETOR À BEIRA DO COLAPSO
Eu vejo a MP nº 1.304/2025 como uma tentativa desesperada de botar ordem em um setor energético que já está de joelhos. O setor elétrico enfrenta uma crise financeira de tirar o fôlego, com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) engolindo R$ 43 bilhões só no primeiro semestre de 2025 e com projeções de chegar a R$ 50 bilhões até o fim do ano. Esse é um fardo pesado para consumidores e empresas, que já sentem o peso na conta de luz.
A derrubada de vetos à Lei nº 15.097/2025 jogou ainda mais lenha na fogueira, criando um caos jurídico que deixa investidores sem saber onde pisar. No lado do gás natural, a MP tenta dar um empurrão na PPSA para oferecer gás mais barato a indústrias como química, fertilizantes, siderurgia e cerâmica, o que, em tese, poderia ajudar na reindustrialização do país.
A Exposição de Motivos (EM nº 000036/2025-MME) jura de pés juntos que a MP é urgente e vai trazer benefícios econômicos e sociais sem mexer no Orçamento Público. Mas, honestamente, não engulo essa história. O texto está cheio de buracos, e o risco de judicialização é tão grande que parece que o governo, em vez de resolver, está dobrando a meta do caos, como já vimos nos tempos de Dilma Rousseff.
Quando pensamos que o setor elétrico já estava no fundo do poço com medidas mal planejadas, o governo lança a MP nº 1.304/2025, como se dissesse: “Segura que ainda dá pra cavar mais!”
ARTIGO 1º: ALTERAÇÃO DA LEI Nº 10.438/2002 E CRIAÇÃO DO ART. 13-A
TETO NOMINAL DA CDE
O artigo 1º da MP insere o art. 13-A na Lei nº 10.438/2002, criando um teto nominal para a arrecadação da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), que banca políticas como universalização, tarifa social e a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC). A CDE está inchando, com projeções de R$ 50 bilhões em 2025 e quem sabe R$ 60 bilhões em 2026. A ideia de um teto soa razoável, mas amarrá-lo ao orçamento de 2026, que ninguém sabe quanto vai ser, é como tentar planejar o jantar sem saber o que tem na geladeira.
Para mim, essa redistribuição seletiva de custos, sem critérios objetivos, é uma receita para o desastre. Ela abre espaço para manipulações e vai contra a eficiência administrativa exigida pela Constituição Federal (art. 37), que pede planejamento claro. Pior, a falta de transparência na definição do teto, como manda a Lei nº 9.427/1996 (art. 3º), deixa o setor no escuro e perpetua o crescimento descontrolado da CDE, jogando por terra qualquer esperança de reduzir as tarifas.
ENCARGO DE COMPLEMENTO DE RECURSOS (ECR)
O mesmo art. 13-A cria o Encargo de Complemento de Recursos (ECR), uma nova cobrança jogada nas costas dos chamados “beneficiários” da CDE, exceto para despesas com universalização (Luz para Todos, por exemplo), tarifa social, dispêndios da Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) e administração da CCEE, Compensações de hidrelétricas (mitigar impactos ambientais). O ECR começa com 50% em 2027 e vira 100% em 2028, mas a MP não explica quem são esses beneficiários nem como o tal “benefício auferido” será calculado, deixando tudo para regulamentações futuras.
Essa redistribuição seletiva de custos, sem uma metodologia clara, é um tapa na cara da transparência regulatória exigida pela Lei nº 9.427/1996 (art. 3º). Isentar setores como a tarifa social, mas cobrar de outros, cria uma desigualdade que fere o princípio da isonomia da Constituição (art. 5º). Para piorar, aplicar o ECR a contratos já firmados no Ambiente de Contratação Livre (ACL), que contavam com descontos na TUST/TUSD, muda as regras do jogo no meio da partida, abalando a segurança jurídica garantida pela Lei nº 9.784/1999 (art. 1º).
A opacidade na definição da “proporção do benefício auferido” (art. 1º, §2º) só aumenta a bagunça, deixando usinas de leilões regulados, como PCHs, eólicas, solares e térmicas, com a corda no pescoço. Cooperativas de geração distribuída rural, que já lutam para se manter, também vão levar essa paulada, travando a energia limpa local. Esse ECR, com cara de imposto disfarçado, é mais um prego no caixão do setor elétrico, que o governo parece empenhado em enterrar ainda mais fundo. A tabela abaixo mostra o impacto em diferentes setores:
Setor | Benefício Relacionado à CDE | Impacto do ECR |
Agronegócio | Descontos para o Irrigante (horário especial) | Aumento de custos, repasse aos preços de alimentos e pressão inflacionária |
Fontes Renováveis (UFVs/Eólicas) | Energia incentivada e leilões com subsídio | Redução de competitividade e desestímulo a novos projetos |
Indústria Eletrointensiva | Redução tarifária (TUSD/TUST) | Aumento de custos fixos, impactando preços finais |
Geração Distribuída | Regimes especiais para GD rural | Pressão financeira sobre pequenos produtores e empreendimentos locais |
Comercializadoras | Participação em leilões regulados | Custos operacionais adicionais, afetando margens |
O art. 5º, §2º da MP determina que o ECR será cobrado de todos os consumidores finais conectados ao Sistema Interligado Nacional (SIN), proporcionalmente ao consumo, sem isenção para o agronegócio. Isso significa que produtores rurais, mesmo os que recebem descontos para irrigação, vão pagar o encargo, seja na fatura da distribuidora (clientes cativos) ou diretamente pela CCEE (mercado livre). Na prática, isso pode encarecer a produção agrícola, elevar os preços dos alimentos e pressionar a inflação, o que me parece um tiro no pé para a competitividade do agronegócio brasileiro.
ARTIGO 2º: ALTERAÇÃO DA LEI Nº 14.182/2021 (ELETROBRAS E PCHS COMO RESERVA DE CAPACIDADE)
O artigo 2º muda o §1º do art. 1º da Lei nº 14.182/2021, permitindo contratar até 4.900 MW de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) como reserva de capacidade, com fornecimento entre 2032 e 2034. Isso substitui a obrigação anterior de contratar 12,5 GW em térmicas inflexíveis, que custavam R$ 35 bilhões por ano.
As PCHs, com custo estimado de R$ 4,2 bilhões anuais, parecem uma alternativa mais barata, mas, na minha opinião, a escolha é tecnicamente questionável. PCHs dependem de chuvas e não entregam a potência firme necessária para uma reserva de capacidade confiável. O Plano de Expansão de Energia 2025–2029 já alerta para perdas de potência de 43% em 2027, 73% em 2028 e 92% em 2029 devido à sazonalidade das PCHs. Excluir essas usinas do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) ainda reduz a flexibilidade do sistema em momentos de seca, aumentando o risco de apagões.
Mesmo sendo mais baratas que as térmicas, as PCHs podem exigir contratações extras de reserva, o que pode anular qualquer economia e encarecer a conta para os consumidores.
ARTIGO 3º: ALTERAÇÃO DA LEI Nº 12.304/2010 (CONTRATOS DE GÁS NATURAL VIA PPSA)
O artigo 3º altera o inciso II do art. 4º da Lei nº 12.304/2010, dando à PPSA o poder de celebrar contratos, em nome da União, para escoamento, transporte, processamento, refino e beneficiamento de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos.
Eu vejo isso como um passo positivo para fortalecer a gestão dos ativos públicos e permitir que a PPSA ofereça gás a preços mais competitivos para indústrias como química, fertilizantes, siderurgia e cerâmica, apoiando a reindustrialização.
Mas, na prática, a falta de infraestrutura, como dutos e terminais de GNL, é um obstáculo enorme. Sem um plano claro de investimentos, esses contratos correm o risco de ficar só no papel, o que me deixa com um pé atrás sobre o impacto real da medida.
ARTIGO 4º: INSERÇÃO DOS ARTS. 45-A E 45-B NA LEI Nº 12.351/2010 (ACESSO E TRANSFERÊNCIA DO GÁS DA UNIÃO)
O artigo 4º da Medida Provisória nº 1.304/2025 adiciona dois novos artigos (45-A e 45-B) à Lei nº 12.351/2010, que regula como o Brasil explora petróleo e gás no regime de partilha. Vamos simplificar:
Art. 45-A: O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) vai decidir as regras para usar a infraestrutura (como dutos e terminais) do gás natural que pertence à União. Essas regras serão baseadas no "valor novo de reposição depreciado" (basicamente, o custo de substituir o equipamento, considerando seu desgaste). Mas a MP não explica como esse valor será calculado, deixando tudo nas mãos do CNPE. Isso pode gerar confusão e até processos judiciais, porque falta clareza.
Art. 45-B: A PPSA (empresa que gerencia o gás da União) poderá vender ou transferir o gás, bruto ou processado, para empresas como a Petrobras, cobrando por isso. Vender o gás bruto pode reduzir custos para indústrias que usam muito gás, como as de fertilizantes ou siderurgia.
Por que isso é problemático? Primeiro, deixar o CNPE decidir tudo sem regras claras pode criar decisões injustas ou mal planejadas. Segundo, passar o gás direto para a Petrobras reforça o controle dela no mercado, dificultando a entrada de novas empresas. Isso vai contra o objetivo de tornar o mercado mais competitivo e, na minha opinião, é um passo para trás que pode travar o setor.
ARTIGO 5º: ALTERAÇÃO DA LEI Nº 9.478/1997 (COMPETÊNCIA DO CNPE)
O artigo 5º da Medida Provisória nº 1.304/2025 mexe na Lei nº 9.478/1997 (a Lei do Petróleo) para dar mais poder ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Ele altera o inciso XVIII do art. 2º dessa lei, permitindo que o CNPE decida como será o acesso à infraestrutura do gás natural que pertence à União, como dutos, terminais e unidades de processamento.
Essa mudança está ligada aos artigos 45-A e 45-B (inseridos na Lei nº 12.351/2010), que também tratam do gás natural. vai custar A ideia é que o CNPE defina regras para quem pode usar esses equipamentos e quanto isso. Parece uma boa intenção, porque organiza o uso do gás da União, mas o problema é que a MP não explica como essas regras serão feitas. Tudo depende de futuras regulamentações, que ainda não existem.
Sem essas regras claras, eu acho que essa concentração de decisões no CNPE pode criar confusão. As empresas que investem no setor precisam saber exatamente como as coisas vão funcionar para planejar seus negócios, mas, sem transparência, as decisões do CNPE podem parecer arbitrárias. Isso pode afastar investidores e gerar incerteza no mercado de gás natural.
ARTIGO 6º: REVOGAÇÃO DOS ARTS. 20 E 21 DA LEI Nº 14.182/2021
O artigo 6º revoga os arts. 20 e 21 da Lei nº 14.182/2021, que tratavam de obrigações ligadas à desestatização da Eletrobras. Na minha opinião, essa revogação sem oferecer alternativas é arriscada. Pode ser vista como omissão legislativa, abrindo brechas para ações judiciais de acionistas e investidores da Eletrobras.
Além disso, mexer em contratos já firmados no processo de desestatização cria instabilidade no setor, o que não é nada bem-vindo.
ARTIGO 7º: VIGÊNCIA DA MP
O artigo 7º define que a MP entra em vigor em 11 de julho de 2025, exceto o art. 1º, que inclui o art. 13-A na Lei nº 10.438/2002, com efeitos a partir de 1º de janeiro de 2026. Essa escalonagem reconhece a dificuldade de implementar o teto da CDE e o ECR, mas não resolve a falta de clareza regulatória, que, para mim, é o maior calo dessa MP.
CONCLUSÃO: UM CAMINHO CHEIO DE DESAFIOS
Eu acredito que a Medida Provisória nº 1.304/2025 tem boas intenções, mas tropeça em sua execução. No setor elétrico, o teto da CDE é vago, o ECR sobrecarrega setores como agronegócio, renováveis e indústria eletrointensiva, e a escolha de PCHs como reserva de capacidade ignora limitações técnicas, podendo levar a problemas de fornecimento. No setor de gás natural, fortalecer a PPSA é promissor, mas a falta de infraestrutura e regras claras limita o impacto. Para mim, a MP precisa de ajustes urgentes. O Congresso deveria revisar o texto com consultas públicas e estudos de impacto, garantindo transparência e segurança jurídica. Sem isso, corremos o risco de ver custos subirem e a competitividade do setor energético minguar. O Brasil merece uma política energética mais sólida, e essa MP, do jeito que está, ainda não entrega isso.

Fontes: Medida Provisória nº 1.304/2025 (DOU, 11/07/2025, Edição Extra A), Leis nºs 9.478/1997, 10.438/2002, 10.848/2004, 9.427/1996, 9.784/1999, 12.304/2010, 12.351/2010, 14.182/2021, 14.300/2022, 15.097/2025, Plano de Expansão de Energia (PEN) 2025–2029, Exposição de Motivos nº 000036/2025-MME, Constituição Federal de 1988.
O FUNDO DO POÇO AINDA NÃO CHEGOU: MP 1.304/2025 – UM ATENTADO TÉCNICO E REGULATÓRIO AO SETOR ELÉTRICO