2026: O Ano da Bateria no Brasil e a Corrida Bilionária pela Energia do Futuro
- Daniel Pansarella

- há 2 dias
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Por Daniel Pansarella, para o Energy Channel
O setor elétrico brasileiro, em um movimento silencioso para o grande público, mas estrondoso para o mercado, está no limiar de sua maior transformação em décadas.

Com a aprovação de novas regulamentações e o primeiro leilão de baterias marcado para abril de 2026, o Brasil destrava um mercado bilionário e redefine o futuro de sua matriz energética. As siglas ANEEL, ONS, MME e EPE, antes restritas aos iniciados, agora ditam o ritmo de uma corrida onde critérios locacionais e o armazenamento de energia se tornam as peças-chave de um xadrez complexo e estratégico.
A Medida Provisória 1.304/2025, liderada pelo Senador Eduardo Braga, redesenhou o mapa da energia no país, reconhecendo oficialmente as baterias como um pilar para a flexibilidade e segurança do sistema. A frase do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ecoa como um alerta e uma profecia: "sem baterias, nós vamos ao colapso energético". Em paralelo, a ANEEL aprovou sua Agenda Regulatória 2026-2027, com 91 temas para modernizar o setor, focando em geração, transmissão, distribuição e tarifas, sinalizando um caminho de previsibilidade regulatória fundamental para alinhar investimentos e estratégias de expansão.
Este cenário foi tema de intenso debate em recente evento da ABSAE, com a participação de Sumara Ticon (ONS) e Markus Vlasits (ABSAE), onde estive presente e pude observar a convergência e as divergências sobre os próximos passos do setor. A discussão, centrada no mecanismo de resposta da geração e da demanda, deixou claro que o futuro é inexorável, mas o caminho até ele será disputado.
O Quebra-Cabeça Locacional: Onde a Energia Vale Mais
A EPE, em um movimento de vanguarda, propôs uma metodologia inovadora para o leilão de 2026: um critério locacional para identificar as regiões que mais se beneficiarão da instalação de baterias. A prioridade será para áreas com menor robustez elétrica, onde o sistema tem dificuldade de manter a tensão e responder a variações bruscas, especialmente com a alta penetração de fontes intermitentes como solar e eólica.
A identificação dessas áreas é feita por meio de um índice que combina a potência de curto-circuito da rede com a presença de geradores conectados por inversores, que tendem a reduzir a estabilidade do sistema. Para incentivar a instalação nos locais certos, foi criado um mecanismo de bonificação locacional. Projetos em áreas críticas receberão um bônus (desconto de 10% no preço ofertado para fins de classificação), tornando-os mais competitivos no leilão. O objetivo, segundo a EPE, é estimular a conexão em pontos que reforcem a operação, reduzam sobrecargas e melhorem a qualidade do suprimento.
Grid-Forming e Digitalização: A Revolução Técnica que o Brasil Precisa
Aqui reside um dos pontos mais técnicos e cruciais da discussão: a diferença entre grid-following e grid-forming. A maior parte dos inversores de fontes renováveis e baterias opera no modo grid-following, ou seja, eles "seguem" a rede existente, dependendo de geradores síncronos (como hidrelétricas e térmicas) para estabelecer tensão e frequência. Com a substituição progressiva dessas fontes por renováveis intermitentes, o sistema perde a capacidade de formar rede de maneira autônoma.
A tecnologia grid-forming muda esse paradigma. Baterias equipadas com essa funcionalidade podem emular o comportamento de geradores síncronos, criando tensão e frequência de forma independente, sem depender de outras fontes. Isso é fundamental para a estabilidade do sistema, especialmente em regiões com alta penetração de solar e eólica. A exigência de grid-forming no leilão de 2026 eleva o patamar de qualidade dos projetos e garante que as baterias não sejam apenas dispositivos de armazenamento, mas verdadeiros estabilizadores da rede.
Paralelamente, a digitalização das redes elétricas é outro pilar essencial. A obrigatoriedade de digitalização até 2035, prevista em portaria, impulsiona a adoção de smart grids, que utilizam tecnologias digitais e de comunicação para gerenciar e monitorar o fluxo de eletricidade em tempo real. Medidores inteligentes, automação de subestações e sistemas de gestão avançados permitem identificar desperdícios, otimizar o uso da energia e integrar de forma mais eficiente a geração distribuída e o armazenamento.
A combinação de grid-forming e digitalização cria um sistema elétrico mais resiliente, flexível e preparado para a transição energética. Sem esses avanços técnicos, o Brasil corre o risco de ter uma matriz renovável, mas instável e sujeita a colapsos.
A Revolução das Baterias: Mais que Armazenar, é Estabilizar
As baterias não são apenas caixas para guardar energia. Elas são a ferramenta que faltava ao ONS para gerenciar uma rede cada vez mais complexa. Christiano Vieira, diretor do ONS, foi enfático ao afirmar que a discussão sobre armazenamento é "para ontem".
Os atributos das baterias são múltiplos e vão muito além do simples armazenamento:
Estabilidade e Sincronização: Com tecnologias como grid-forming, as baterias podem formar rede de maneira autônoma, garantindo tensão e frequência estáveis, um serviço essencial para a segurança do sistema.
Rampa: A capacidade de carregar e descarregar em altíssima velocidade permite suavizar as variações de geração renovável e responder instantaneamente a picos de demanda. Esse atributo é crucial para gerenciar os "vales de carga" cada vez mais profundos, onde a geração solar domina pela manhã e cai abruptamente no fim da tarde.
Combate ao Curtailment: O corte de geração renovável, que gerou perdas de R$ 3,2 bilhões em 2025 (crescimento de 230% em relação ao ano anterior), pode ser drasticamente reduzido. A energia que seria desperdiçada por excesso de oferta ou congestionamento na rede pode ser armazenada e injetada no sistema quando for mais necessária. Em agosto de 2025, foram descartados 17,2% de toda a geração solar e eólica que poderia ser produzida no país, o equivalente a todo o consumo do Paraná durante um mês.
O desafio é imenso. O crescimento da geração distribuída, estimado em 7 GW por ano, ameaça a controlabilidade do sistema, como alerta o ONS. As baterias surgem como a solução para gerenciar esse fluxo e evitar a perda de controle sobre a rede.
O Desafio dos Datacenters: Uma Nova Fronteira Energética
Se as baterias são a solução para a intermitência renovável, os datacenters são o novo grande desafio para o planejamento energético brasileiro. Em apenas 60 dias após a criação do Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center (ReData), o país registrou um acréscimo de 6,4 GW em novos projetos. O volume de empreendimentos em análise no MME saltou de 19,8 GW em setembro de 2025 para 26,2 GW em novembro.
A maior parte dos projetos está concentrada em São Paulo, especialmente nas regiões metropolitanas da capital e de Campinas, mas há estudos em andamento para Rio de Janeiro (4 GW), Rio Grande do Sul (5 GW) e Nordeste (4 GW). A EPE já recomendou investimentos de aproximadamente R$ 1,6 bilhão para o reforço do sistema elétrico paulista, com potencial para liberar cerca de 4 GW de margem de conexão.
Para os datacenters, confiabilidade é o ponto mais importante. Qualquer interrupção no fornecimento de energia pode resultar em perdas operacionais e financeiras catastróficas. As baterias, nesse contexto, não são apenas uma opção, mas uma necessidade. Elas garantem fornecimento ininterrupto, estabilizam tensão e frequência, e permitem integração com fontes renováveis, reduzindo custos operacionais por meio de arbitragem energética.
A EPE está avaliando diferentes alternativas tecnológicas para ampliar a capacidade do sistema, incluindo Dynamic Line Rating (DLR), equipamentos FACTS (como SSSC), baterias para armazenamento e reconduzimento de linhas com cabos HTLS. Essas soluções podem ser implementadas no curto e médio prazo, oferecendo alternativas viáveis para atender à crescente demanda.
Desafios e Oportunidades: A Corrida Começou
Apesar do otimismo, o caminho tem obstáculos. O custo das baterias no Brasil, penalizado por impostos e logística, ainda é alto. A infraestrutura de rede precisa de modernização e a burocracia para novas regulamentações ainda é um risco. A concretização dos projetos depende da disponibilidade de infraestrutura de transmissão e telecomunicações, da viabilidade econômico-financeira e do cumprimento das novas regras de garantias para conexão.
Contudo, para o olhar do estratega, desafios são sinônimos de oportunidades. A complexidade abre espaço para consultorias inovadoras, a necessidade de infraestrutura é um convite a fornecedores de tecnologia, e a demanda por capital cria o ambiente para novas estruturas financeiras. A Greener projeta que o mercado de BESS no Brasil deve movimentar mais de R$ 23 bilhões até 2030, e a EPE já cadastrou 126,3 GW em 368 projetos para o leilão de 2026.
O futuro do setor elétrico brasileiro está sendo escrito agora. O leilão de 2026 é apenas o primeiro capítulo. A questão não é mais se o armazenamento vai decolar, mas quem serão os pilotos dessa jornada. A corrida começou, e quem não se posicionar agora, ficará para trás.
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2026: O Ano da Bateria no Brasil e a Corrida Bilionária pela Energia do FuturoPor Daniel Pansarella, para o Energy Channel












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