A Promessa e o Paradoxo: A Transição Energética Brasileira diante da Ambição Digital
- Fernanda M Caputo

- há 6 horas
- 3 min de leitura
A digitalização acelerada da economia global mudou a escala da discussão energética.

A inteligência artificial, os data center's e as infraestruturas digitais tornaram-se consumidores estruturais de energia, deslocando o debate para um novo patamar: o da compatibilidade entre a transição energética e a transição digital.
O Brasil, dono de uma das matrizes mais renováveis do mundo, costuma se apresentar como candidato natural a essa convergência. Mas, entre o potencial e a execução, permanece um conjunto expressivo de contradições que precisa ser enfrentado com honestidade.
É fato que a matriz elétrica brasileira se distingue no cenário internacional. Cerca de 86 por cento da geração provém de fontes renováveis, com forte presença hídrica e expansão consistente de eólica e solar.
A recente consolidação do marco legal do hidrogênio verde reforça a ambição de posicionar o país como provedor global de energia limpa. Esse é o lado luminoso do discurso. O lado invisível, porém, revela outro Brasil: desigualdades socio energéticas persistentes, gargalos estruturais de transmissão e um ambiente regulatório que, por sua morosidade, opera em ritmo incompatível com a velocidade da economia digital.
A contradição começa na própria infraestrutura. A expansão de eólica e solar ocorreu mais rapidamente do que a construção das linhas de transmissão capazes de escoar essa energia. Criaram-se ilhas energéticas modernas cercadas por redes antigas. Sem resolver esse desequilíbrio físico, o Brasil não terá condições de atrair data centers sustentáveis ou suportar operações de IA em escala industrial. Não se trata de falta de geração. Trata-se de incapacidade de entregá-la onde a nova economia precisa. E isso não se corrige com slogans, mas com obras, planejamento e coerência estratégica.
O segundo obstáculo é regulatório. Energia e infraestrutura digital demanda decisões rápidas e coordenação institucional. No Brasil, enfrenta-se justamente o oposto: sobreposição normativa, processos lentos e fragmentação entre órgãos. Projetos que deveriam simbolizar modernização se perdem em maratonas burocráticas, com múltiplas instâncias e regras pouco integradas.
Há, ainda, um desafio menos tangível, mas igualmente relevante: a precariedade da conectividade. Não existe economia digital sem rede estável. E não existe rede estável em vastas regiões do Brasil. Fala-se em IA avançada enquanto milhões de brasileiros não dispõem sequer de internet adequada para atividades básicas. Esse descompasso mina a formação de mão de obra, reduz competitividade e compromete a operação de redes elétricas inteligentes. Sem resolver essa questão elementar, qualquer promessa de inovação perde substância.
A digitalização também introduz riscos novos. A modernização das redes elétricas amplia a superfície de ataque cibernético, tornando a segurança digital um componente crítico da segurança energética. Hoje, o Brasil não dispõe de um arcabouço robusto de resiliência cibernética voltado para infraestrutura crítica.
A dependência crescente de algoritmos e sistemas autônomos pode gerar vulnerabilidades sistêmicas que, em caso de ataque, propagam-se com velocidade e impacto superiores aos de falhas tradicionais.
Por fim, permanece a questão estrutural da governança. A transição energética brasileira avança por meio de planos setoriais desconectados energia, IA, telecom, inovação, carbono sem integração estratégica. A consequência é conhecida: políticas públicas que não se reforçam mutuamente, investimentos que perdem sinergias e oportunidades que se dissipam no caminho.
É necessário um projeto nacional que articule transição energética, digitalização e industrialização verde em uma agenda única, coerente e permanente.
O Brasil tem condições únicas de ocupar posição central na economia energética do século XXI. Mas esse lugar não será conquistado por inércia nem por narrativas autoindulgentes. Será conquistado se o país reconhecer que sua principal fragilidade não é energética, mas institucional. Não basta ter fontes renováveis.
É preciso ter coordenação, infraestrutura, regulação inteligente e estabilidade de políticas. Caso contrário, a transição continuará avançando apenas no discurso, enquanto a economia digital seguirá buscando outros destinos mais consistentes para se instalar.
A energia do futuro já chegou. A dúvida é se o Brasil está pronto para recebê-la.

A Promessa e o Paradoxo: A Transição Energética Brasileira diante da Ambição Digital












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