Apagão Ibérico: Falha Desencadeia Colapso Energético e Acende Debate sobre Matriz Elétrica
- EnergyChannel Brasil
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Investigação conjunta entre Espanha e Portugal aprofunda análise sobre falha em cascata que desconectou a Península Ibérica da rede europeia, enquanto especialistas debatem o papel das renováveis e da energia nuclear na estabilidade do sistema.

Por EnergyChannel Europa | 24 de maio de 2025
O recente apagão que mergulhou a Península Ibérica na escuridão, afetando milhões de cidadãos em Espanha, Portugal e repercutindo até na França, teve sua origem identificada. Autoridades espanholas confirmaram que uma falha inicial na subestação de Granada foi o estopim para uma sequência de eventos em cascata que culminou em um dos maiores colapsos energéticos da história recente da Europa. A revelação, feita pela Secretária de Estado de Energia da Espanha, Sara Aagesen, direciona as investigações, mas abre um complexo debate sobre a resiliência das redes elétricas em um cenário de crescente integração de fontes renováveis.
O incidente, ocorrido em 28 de abril, começou com uma abrupta perda de geração em Granada, seguida, em questão de segundos, por falhas similares em Badajoz e Sevilha. Essa tríade de eventos simultâneos resultou em uma perda vertiginosa de 2,2 gigawatts (GW) de potência da rede espanhola. Como explicou Eduardo Prieto, diretor de operações da Red Eléctrica de España (REE), a operadora do sistema espanhol, essa perda massiva de geração excedeu a "perturbação de referência" utilizada nos planejamentos de segurança da União Europeia. O resultado foi a desconexão automática do sistema elétrico da Península Ibérica do restante da rede europeia, através das interligações nos Pireneus, para proteger o sistema continental, levando ao colapso generalizado em Espanha e Portugal.
"Estamos analisando milhões de dados", afirmou Sara Aagesen perante parlamentares, enfatizando a complexidade da investigação em curso. "Continuamos a progredir na identificação de onde ocorreram essas perdas de geração e já sabemos que elas começaram em Granada, Badajoz e Sevilha." Embora a causa raiz da falha inicial em Granada ainda não esteja determinada, as investigações já descartaram hipóteses como um ataque cibernético à REE, um desequilíbrio entre oferta e demanda de energia ou capacidade insuficiente da rede. Aagesen mencionou que a possibilidade de excesso de voltagem está sendo avaliada como um fator contribuinte, e que relatos sobre volatilidade na rede nos dias anteriores ao evento também estão sob escrutínio.
Para coordenar os esforços investigativos e aprimorar a resiliência futura, foi estabelecido um grupo de monitoramento conjunto entre Espanha e Portugal. O objetivo é analisar detalhadamente a sequência de falhas e desenvolver mecanismos para prevenir ou mitigar eventos em cascata semelhantes. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, assegurou que "todas as medidas necessárias serão tomadas para garantir que isso não se repita", destacando a gravidade do ocorrido.
O impacto do apagão foi imediato e severo. Cidades ficaram sem semáforos, causando caos no trânsito. Sistemas de metrô e trens foram paralisados, deixando milhares de passageiros retidos – só na Espanha, 35 mil pessoas em mais de 100 trens precisaram de auxílio. Redes de telefonia e internet caíram. Caixas eletrônicos ficaram inoperantes, e comércios enfrentaram dificuldades. Hospitais tiveram que recorrer a geradores de emergência, e centenas de pessoas ficaram presas em elevadores – só na região de Madri, foram 286 resgates. A restauração completa do sistema levou horas, exigindo um esforço intenso das operadoras REE e REN (Redes Energéticas Nacionais, de Portugal), que mobilizaram recursos e utilizaram interconexões com França e Marrocos, além da geração de usinas a gás e hidrelétricas.
O colapso energético reacendeu um debate fervoroso sobre a composição da matriz elétrica espanhola e a transição energética. Críticos rapidamente apontaram para a crescente participação das energias renováveis, especialmente solar e eólica, como um fator de vulnerabilidade, argumentando que a intermitência dessas fontes e a menor inércia rotacional associada aos seus conversores eletrônicos poderiam comprometer a estabilidade da rede em momentos de perturbação. A discussão sobre o futuro das usinas nucleares na Espanha, cujo descomissionamento gradual está previsto até 2035, também ganhou força.

No entanto, especialistas e o próprio governo espanhol contestaram essa visão simplista. Pedro Sánchez defendeu veementemente a política de fomento às renováveis, afirmando que elas reduziram os custos de energia e aumentaram a autonomia estratégica do país. Ele rebateu as críticas sobre a energia nuclear, declarando que, durante a crise, "as usinas nucleares, longe de serem uma solução, foram um problema". Sánchez explicou que cinco reatores foram desligados no momento do colapso por decisão das operadoras e que foi necessário desviar energia para manter seus núcleos estáveis. A recuperação, segundo ele, foi viabilizada por outras fontes, não pela nuclear.
A questão da inércia da rede, contudo, permanece central. Sistemas elétricos tradicionais contam com a inércia física de grandes geradores síncronos (como turbinas hidráulicas e a vapor de usinas térmicas e nucleares) para resistir a flutuações abruptas de frequência. Fontes renováveis conectadas via conversores eletrônicos não fornecem essa inércia intrinsecamente, embora tecnologias de "inércia sintética" estejam em desenvolvimento e implementação. Especialistas apontam que a gestão de redes com alta penetração de renováveis exige abordagens mais sofisticadas, incluindo o uso estratégico de armazenamento de energia, conversores formadores de rede (grid-forming inverters) e um planejamento robusto das interconexões.

O apagão ibérico serve como um estudo de caso crucial para operadores de rede e formuladores de políticas em todo o mundo, especialmente em regiões que avançam rapidamente na descarbonização de suas matrizes elétricas. A análise detalhada das causas e da resposta ao evento fornecerá lições valiosas sobre como garantir a segurança e a confiabilidade do fornecimento de energia na era das renováveis. A investigação conjunta e os relatórios técnicos subsequentes são aguardados com grande expectativa pelo setor energético global.
Apagão Ibérico: Falha Desencadeia Colapso Energético e Acende Debate sobre Matriz Elétrica
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