O PREÇO DA TRANSIÇÃO ENERGÉTICA: DÍVIDAS, CURTAILMENT E O FUTURO DAS RENOVÁVEIS
- Arthur Oliveira
- há 3 dias
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O setor energético brasileiro está passando por um momento desafiador e cheio de decisões estratégicas difíceis. Entre vendas de ativos multimilionários, cortes inesperados na geração e dificuldades financeiras enfrentadas por empresas de comercialização, fica claro que cada movimento tem um efeito em toda a cadeia de energia do país. Neste artigo, busco trazer uma visão detalhada desses acontecimentos, mostrando os números, os impactos das regras do setor e fenômenos como o curtailment, que têm moldado a realidade das empresas e do mercado como um todo.

A VENDA DA COMÉRC PELA VIBRA
A Vibra (VBBR3), conhecida por operar postos de gasolina, surpreendeu o mercado ao colocar a geradora de energia Comerc à venda apenas alguns meses após a aquisição. Para conduzir a transação, a companhia contratou o Goldman Sachs.
O valor pago pela Comerc foi de aproximadamente R$ 7 bilhões, sendo que em janeiro a Vibra adquiriu 50% da geradora por R$ 3,7 bilhões, alcançando uma participação de 98,7%. No entanto, o preço tem sido um obstáculo, com potenciais compradores oferecendo valuations menores.
Essa possível venda é considerada estratégica, pois permite à Vibra desalavancar-se, focar em seu core business e fortalecer seu perfil de risco e retorno. A dívida líquida da Vibra em junho de 2025 atingiu R$ 21 bilhões, frente a R$ 10,4 bilhões em junho de 2024, principalmente devido à aquisição da Comerc. O lucro líquido no segundo trimestre de 2025 caiu 66,3% na base anual, chegando a R$ 292 milhões.
PROBLEMAS FINANCEIROS NO SETOR DE GERAÇÃO DE ENERGIA
A indústria de energia solar e eólica no Brasil tem enfrentado sua pior crise, impulsionada principalmente pelo fenômeno do curtailment, ou cortes de geração. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem imposto interrupções na produção de usinas, especialmente as renováveis (eólica e solar), devido a gargalos na transmissão de energia, notadamente do Nordeste para o Sul e Sudeste do país.
Esses cortes resultam em prejuízos financeiros substanciais para as geradoras, tornando projetos inviáveis e desestimulando novos investimentos. A Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) estima um prejuízo total de R$ 700 milhões para geradores eólicos entre agosto de 2023 e o final de 2024. Já a Absolar, associação do setor de energia solar, calcula perdas de R$ 50 milhões para o setor solar de abril a julho do ano corrente.
Diversas empresas foram afetadas, incluindo a 2W Ecobank, que entrou com pedido de recuperação judicial, e a Rio Alto Energia Renováveis, que buscou proteção temporária contra credores para reestruturar dívidas. A Aeris, maior produtora de pás para parques eólicos, também reestruturou suas dívidas após cortes de empregos. Usinas específicas, como a solar Banabuiu (CE) da SPIC Brasil e o complexo eólico Serra do Mel II B (RN) da Equatorial (EQTL3), registraram frustrações de geração superiores a 50%. Outras grandes elétricas como Engie Brasil (EGIE3), Alupar (ALUP11), Voltalia e Elera (da Brookfield) também sentiram os impactos.
Outro exemplo a ser citado é a Raízen que é um grande player de açúcar, etanol e combustíveis, registrou prejuízo de R$ 2,57 bilhões no 3º trimestre da safra 2024/25, com dívida líquida de R$ 49 bilhões. Para reduzir endividamento, vendeu ativos, incluindo 55 usinas por R$ 600 milhões. A Cosan não fará novos aportes, exigindo que a Raízen se capitalizar. O caso mostra como até grandes empresas sofrem com ciclos de crescimento seguidos de alta de juros e fatores macroeconômicos.
Além dos prejuízos diretos, as empresas são forçadas a comprar energia no mercado para honrar seus contratos, gerando custos adicionais. A incerteza regulatória e a falta de ressarcimento integral pelos cortes desestimulam investimentos em novas usinas renováveis, comprometendo os objetivos de transição energética do Brasil. A ISA Energia Brasil, por exemplo, registrou uma dívida líquida de R$ 12,8 bilhões e uma alavancagem Dívida Líquida/EBITDA de 3,43x em julho de 2025, enquanto a Voltalia projetou um impacto de 40 milhões de euros em seu EBITDA de 2024 devido aos cortes.
PROBLEMAS FINANCEIROS DE COMERCIALIZADORAS DE ENERGIA
O mercado livre de energia no Brasil tem enfrentado um crescente risco de inadimplência por parte das comercializadoras, o que tem gerado pressão por regras mais rigorosas no setor. Um exemplo notório é o caso das comercializadoras 2W Ecobank e Gold Energia, que juntas acumulam uma dívida de mais de R$ 3,3 bilhões no mercado livre de energia.
A 2W Ecobank entrou em recuperação judicial com um rombo de R$ 2,2 bilhões, enquanto a Gold Energia, em recuperação extrajudicial, deve pouco mais de R$ 1,15 bilhão.
As empresas atribuem suas dificuldades financeiras à volatilidade do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), que em 2024 e 2025 variou significativamente, impactando sua liquidez. A 2W também mencionou atrasos na implantação de investimentos em geração própria devido à insolvência da empreiteira responsável.
Em suas propostas de recuperação, a Gold Energia, por exemplo, propõe pagar apenas 2,5% da dívida com cada credor, com um limite global de R$ 25 milhões, e o restante seria pago ao longo de dez anos em caso de um 'evento de liquidez', como a venda de ativos. A fragilidade financeira de algumas comercializadoras levanta preocupações sobre um possível risco sistêmico para o setor elétrico como um todo.
CURTAILMENT E SEUS IMPACTOS NO SETOR ELÉTRICO
O curtailment, ou corte de geração, é uma medida imposta pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para garantir a segurança e o equilíbrio do sistema elétrico.
As condições para essa restrição são definidas pela REN ANEEL 1.030/2022 e incluem indisponibilidade externa (gargalos na transmissão), atendimento a requisitos de confiabilidade elétrica e razão energética (descasamento entre oferta e demanda).
Em 2024 e 2025, o curtailment foi ampliado devido a fatores como o atraso na entrada em operação de novas linhas de transmissão, a expansão da Micro e Minigeração Distribuída (MMGD) e uma operação mais conservadora do ONS após o apagão de agosto de 2023. Embora a Lei 10.848/2004 preveja o ressarcimento aos geradores pelos cortes, a regulamentação atual (REN ANEEL 1.030/2022) restringe o reembolso apenas para indisponibilidade externa, deixando as perdas por confiabilidade e razão energética a cargo das geradoras.
Financeiramente, isso obriga os geradores de energia eólica e solar a comprar energia no Mercado de Curto Prazo (MCP) a preços voláteis para cumprir seus contratos, resultando em prejuízos significativos. A FSET estimou um prejuízo de R$ 710 milhões para eólicas e R$ 165 milhões para solares de janeiro a setembro do ano passado. Os cortes de geração aumentaram consideravelmente, passando de 4,8% para 34,8% em solares e de 2,2% para 18,1% em eólicas entre abril e setembro.
A incerteza regulatória e a falta de ressarcimento integral têm levado a uma crescente judicialização no setor, com liminares favoráveis aos geradores sendo suspensas pelo STJ. Essa situação deteriora a percepção de risco dos investidores, ameaçando a viabilidade econômica de projetos renováveis e, consequentemente, a transição para uma matriz elétrica mais limpa. O ONS projeta que o curtailment energético deve aumentar até 2029, com cortes médios acima de 10% para eólica e 20% para solar, caso todas as usinas com CUST (Custo Unitário de Serviço de Transmissão) entrem em operação.
CONCLUSÃO
O setor energético brasileiro, em especial os segmentos de geração e comercialização de energia, enfrenta um cenário de desafios financeiros complexos. A decisão da Vibra de vender a Comerc, pouco tempo após sua aquisição, é um reflexo das pressões financeiras e estratégicas que permeiam o mercado. O alto endividamento da Vibra, em parte decorrente da aquisição da Comerc, e a queda em seu lucro líquido, ilustram a complexidade de operar em um ambiente de transição energética e abertura de mercado.
Paralelamente, o fenômeno do curtailment tem imposto perdas bilionárias às geradoras de energia renovável, especialmente eólica e solar. A falta de infraestrutura de transmissão adequada e as regras de ressarcimento que não cobrem todas as perdas têm desestimulado novos investimentos, colocando em risco a expansão da matriz energética limpa do país. A judicialização crescente e a incerteza regulatória agravam ainda mais esse quadro.
No segmento de comercialização, casos como os da 2W Ecobank e Gold Energia, com dívidas que somam bilhões de reais, evidenciam a fragilidade de algumas empresas. A recuperação judicial e extrajudicial dessas empresas, com propostas de pagamento que preveem grandes descontos, ressaltam a necessidade de maior rigor e transparência no mercado livre de energia.
Em suma, o setor energético brasileiro está em um momento de reajuste, onde a busca por eficiência, a superação de gargalos de infraestrutura e a revisão de marcos regulatórios são cruciais para garantir a estabilidade financeira das empresas e o avanço da transição energética no país.
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