POR QUE A ELETRIFICAÇÃO É A BOLA DA VEZ?
- Murilo Miceno Frigo
- há 20 minutos
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Por Murilo Miceno Frigo
A energia elétrica sempre foi descrita como uma forma nobre de energia secundária, capaz de ser gerada, transportada e transformada com eficiência, mas apenas recentemente essa característica ganhou novo peso na discussão pública. Muito se fala hoje em eletrificação, mas nem sempre se compreende por que ela se tornou uma das tecnologias mais estratégicas da transição energética, presente não apenas no debate climático, mas também na reorganização dos sistemas produtivos e digitais.

O argumento mais comum, de que a eletricidade obtida por energias renováveis estão mais baratas e possuem baixa emissão é correta, mas explica apenas parte do fenômeno. A eletricidade ganhou protagonismo porque se tornou o meio mais versátil e universal que temos para movimentar máquinas, processar dados, coordenar sistemas e estruturar formas de vida cada vez mais digitais.
Essa versatilidade aparece de modo evidente quando observamos que a mesma eletricidade que alimenta motores industriais, bombas de irrigação ou sistemas de transporte é também responsável por permitir o funcionamento de sensores, microchips, telecomunicações e plataformas digitais. Poucas tecnologias atravessam tantas escalas com tanta naturalidade.
Isso ajuda a explicar por que, segundo o relatório Electricity 2024 da Agência Internacional de Energia (IEA), a demanda global de eletricidade deverá crescer quatro vezes mais rápido até 2026 do que cresceu no período recente, com mais de 85% desse aumento concentrado em economias emergentes e na China. A eletrificação deixou de ser apenas uma etapa do desenvolvimento industrial para se tornar a base material da sociedade conectada.
A explosão dos data centers e da inteligência artificial reforça essa tendência. A IEA estima que o consumo elétrico dessas infraestruturas pode dobrar até 2026, alcançando entre 800 e 1.000 TWh por ano (algo próximo ao consumo elétrico de um Japão inteiro).
Plataformas de IA generativa, que exigem volumes gigantescos de processamento, ampliam ainda mais essa pressão: treinar um único modelo avançado pode consumir energia equivalente ao gasto anual de dezenas de milhares de residências. Assim, embora a percepção comum associe eletrificação a carros elétricos, bombas de calor ou industrialização verde, o motor silencioso por trás do aumento da demanda está cada vez mais ligado ao setor digital.
Em termos simples, quanto mais inteligente e interconectada a economia se torna, mais dependente ela fica de fluxos elétricos estáveis, abundantes e confiáveis.
Essa transformação qualitativa tem consequências profundas.
A eletricidade não é apenas energia que aciona máquinas; é também o suporte físico que possibilita comunicação, tratamento de dados, administração de redes e coordenação em tempo real. Ela é potência e sinal. Movimento e informação. E essa dupla natureza explica por que a eletrificação virou a questão central do planejamento energético global.
Os setores de IA, computação em nuvem, telecomunicações, mobilidade, logística e agricultura de precisão convergem para uma infraestrutura crítica cujo denominador comum é a eletricidade. Quando tudo se torna digital, tudo passa a depender de eletricidade.
Mas a universalização da eletricidade não é um processo neutro. Conforme a demanda aumenta e se diversifica, surgem tensões sobre como expandir, financiar e regular redes que já operam sob estresse crescente, seja por eventos climáticos extremos, seja pela necessidade de integrar fontes renováveis variáveis. Há zonas do planeta em que data centers concorrem com usos residenciais e industriais por capacidade de rede, enquanto sistemas elétricos frágeis enfrentam picos de carga impostos por tecnologias que exigem energia em tempo real. Diante disso, a IEA alerta que atrasos na expansão de redes, insuficiência de investimento e falta de flexibilidade já representam riscos concretos à segurança energética global.
Assim, discutir eletrificação hoje é discutir não apenas sustentabilidade, mas também prioridades de uso, governança e justiça energética. A eletricidade pode permitir saltos de produtividade, autonomia tecnológica e inovação; mas pode também aprofundar desigualdades quando sua disponibilidade, qualidade e custo variam de acordo com território e renda.
O desafio contemporâneo consiste em compreender que eletrificar não é só conectar mais pontos à rede, mas reorganizar a forma como energia, dados e decisões circulam pela sociedade.
POR QUE A ELETRIFICAÇÃO É A BOLA DA VEZ?
Murilo Miceno Frigo é professor do IFMS, Engenheiro Eletricista e Mestre em Engenharia Elétrica pela UFMS, e Doutor em Engenharia Agrícola (Bioenergia) pela FCA/UNESP. Atua como pesquisador em transição energética e ciência de dados aplicados à energia.








