Tório volta ao centro das atenções: a corrida global pelos reatores de sal fundido e o papel estratégico do Brasil
- EnergyChannel Brasil
- há 24 minutos
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Por décadas, a energia nuclear foi sinônimo de grandes obras, altos custos e riscos que marcaram a história. Mas uma nova onda tecnológica está reacendendo o debate dessa vez com uma promessa que parecia ter sido esquecida nos arquivos da ciência dos anos 1960: os reatores de sal fundido alimentados por tório.

A tecnologia, que havia sido engavetada por pressões políticas e prioridades militares da Guerra Fria, volta agora ao centro do palco graças a uma empresa dinamarquesa que quer redefinir o setor: a Copenhagen Atomics.
E nessa corrida global silenciosa, o Brasil ocupa um lugar privilegiado — ainda que subaproveitado. O país detém uma das maiores reservas conhecidas de tório no mundo, um elemento que pode se tornar o combustível-chave dessa nova geração de energia nuclear.
Por que o tório voltou a ser estratégico?
O tório, por si só, não é um combustível nuclear ativo. Ele precisa ser convertido em urânio-233 um isótopo capaz de sustentar uma reação nuclear contínua e altamente eficiente. A reação funciona assim:
O tório-232 absorve nêutrons provenientes de pequenas quantidades de urânio-235 ou plutônio-239.
Converte-se em tório-233.
Que, por decaimento natural, transforma-se em urânio-233, o verdadeiro combustível.
Esse mecanismo, conhecido por pesquisadores desde a década de 50, gera mais nêutrons do que consome, criando um ciclo sustentado e extremamente eficiente algo que os defensores da tecnologia chamam de “a chama que se autoalimenta”.
Mas não é apenas a eficiência que chama atenção. É a segurança.
Reatores que não explodem e se desligam sozinhos
O modelo proposto pela Copenhagen Atomics abandona totalmente as tradicionais barras sólidas de combustível usadas em Angra ou nos reatores dos EUA e Europa. No lugar delas, o novo sistema dissolve o combustível em uma mistura líquida de sais um fluido que opera próximo de 700°C, mas sem pressão.
Esse desenho elimina vários dos riscos associados aos reatores convencionais:
Não há pressão interna, portanto não há risco de explosões de vapor.
O sal é quimicamente estável: em caso de vazamento, ele endurece e aprisiona a radiação.
O sistema conta com um “plug” de sal congelado, que derrete automaticamente se houver qualquer aumento inesperado de temperatura. Assim, o combustível escorre por gravidade para tanques de segurança, encerrando a reação instantaneamente.
É o conceito que a indústria apelidou de walk-away safe: até se todos forem embora, o reator se protege sozinho.
Blindagem extrema e operação remota
Apesar da segurança térmica e química, existe um desafio inescapável: a radiação gama produzida durante a geração do urânio-233. Ela é tão intensa que impede completamente qualquer acesso humano durante a operação.
Por isso, a Copenhagen Atomics desenvolveu um formato de reator que mais se assemelha a um “cofre nuclear”:
Cada unidade é lacrada dentro de um contêiner de aço especial com até 20 cm de espessura.
O módulo completo pode pesar mais de mil toneladas.
A manutenção é inexistente: ao final do ciclo de cinco anos, o reator inteiro é substituído, não reparado.
Toda a operação é remota, automatizada e monitorada por sensores internos.
Reunidos em série, 25 desses contêineres formam uma “bateria nuclear modular”, capaz de abastecer indústrias e pequenos parques industriais com energia firme e contínua.
Queima de resíduos nucleares: do passivo ao ativo energético
Um dos pontos mais controversos da energia nuclear sempre foi o lixo radioativo — mas o reator de sal fundido promete virar esse jogo. Em vez de gerar resíduos que precisam ser isolados por milhares de anos, a tecnologia:
produz rejeitos que se estabilizam em algumas centenas de anos;
pode consumir parte dos resíduos antigos como combustível de partida.
Isso é particularmente relevante para países como o Brasil, que acumulam rejeitos das usinas de Angra há décadas.
Um novo modelo de negócio nuclear
Diferentemente das usinas tradicionais, que exigem megainvestimentos e anos de obras, a Copenhagen Atomics opera quase como uma fornecedora de máquinas industriais:
O cliente aluga o reator por cinco anos.
A empresa entrega, instala, opera e monitora.
Ao fim do contrato, retira ou substitui o módulo.
Cada unidade entrega de 8 a 10 MW térmicos (cerca de 2 a 3 MW elétricos), energia suficiente para alimentar até 3 mil residências ou uma fábrica de médio porte.
O objetivo da empresa é produzir um reator por dia em linha de montagem — algo jamais visto na indústria nuclear.
Custo da energia: uma revolução possível
A Copenhagen Atomics estima que, em escala industrial, o custo da energia desses reatores pode cair para US$ 20 a US$ 40 por MWh patamar inferior ao gás natural e altamente competitivo frente à energia solar e eólica, com a vantagem de ser contínua.
Para comparação, o custo médio da energia nuclear tradicional supera US$ 100 por MWh.
China assume a dianteira e prova que funciona
A China foi a primeira a colocar um reator de sal fundido moderno em operação:
Funcionamento estável por 10 dias em 2024.
Em 2025, conseguiu reabastecer o reator sem desligá-lo, um marco inédito.
Enquanto isso, a Copenhagen Atomics prepara seus testes oficiais na Suíça para 2026 — um processo que deve durar quatro anos até atingir plena operação.
Os desafios que ainda travam a nova era nuclear
Apesar do entusiasmo global, a tecnologia enfrenta barreiras consideráveis:
Materiais resistentes a 700°C, corrosão química e radiação intensa.
Equipamentos que precisam funcionar cinco anos sem falhar — nenhuma solda, bomba ou sensor pode apresentar defeito.
Processos de licenciamento extremamente rigorosos, que podem levar uma década.
Mas o avanço de China, Dinamarca e outros atores indica que o setor nuclear pode estar às portas de sua maior transformação desde os anos 1950.
E o Brasil? O gigante do tório ainda adormecido
Detentor de uma das maiores reservas de tório do planeta particularmente nas areias monazíticas do litoral o Brasil tem potencial para se tornar fornecedor estratégico dessa nova cadeia global.
Ao mesmo tempo, acumula centenas de toneladas de resíduos que poderiam, no futuro, ser convertidas em combustível para reatores avançados.
A pergunta que se impõe é inevitável:o país vai liderar ou apenas assistir à virada tecnológica que pode redesenhar o mapa da energia mundial?
Tório volta ao centro das atenções: a corrida global pelos reatores de sal fundido e o papel estratégico do Brasil








