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Clusters de energias renováveis conectando governo, empresas e investidores para acelerar a transição

Por Laís Víctor – Especialista em energias renováveis e Diretora Executiva


O avanço das energias renováveis no Brasil e no mundo já não depende apenas da abundância de sol, vento ou biomassa. Recursos naturais são fundamentais, mas não suficientes. Hoje, a verdadeira competitividade do setor está ligada à capacidade de articular atores-chave em ambientes de inovação, colaboração e escala. Nesse cenário, surgem os clusters de energias renováveis como plataformas estratégicas que unem governos, empresas, investidores, universidades e comunidades em torno de objetivos comuns.


Clusters de energias renováveis conectando governo, empresas e investidores para acelerar a transição
Clusters de energias renováveis conectando governo, empresas e investidores para acelerar a transição

Mais do que simples arranjos geográficos, os clusters funcionam como ecossistemas inteligentes, capazes de alinhar políticas públicas, atrair investimentos, formar mão de obra especializada e acelerar o desenvolvimento de tecnologias aplicadas. Quando bem estruturados, tornam-se polos de convergência: conectam a geração de energia à indústria, aproximam ciência e mercado, e criam valor não apenas econômico, mas também social e ambiental.


O mundo já aponta nessa direção. Países que consolidaram modelos de cluster em setores estratégicos como a Dinamarca com a energia eólica ou a Alemanha com o hidrogênio verde se destacam hoje como líderes globais. O Brasil, que já desponta entre os maiores produtores de energia renovável, tem uma oportunidade rara de transformar seu potencial em liderança sustentável, desde que consiga estruturar esses ecossistemas de forma planejada, inclusiva e duradoura.


É justamente sobre esse ponto que este artigo se debruça: como os clusters de energias renováveis podem deixar de ser iniciativas isoladas para se tornarem plataformas estruturantes de desenvolvimento, conectando governo, empresas e investidores em uma agenda comum de transição energética.


O Brasil na rota da industrialização verde

O Brasil atravessa um dos momentos mais significativos de sua história energética. A matriz elétrica brasileira atingiu, em 2024, 88,2% de renovabilidade, segundo o Balanço Energético Nacional (EPE/MME). Esse índice coloca o país muito à frente da média mundial, onde a participação das renováveis na geração de eletricidade foi de apenas 29% em 2023, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA). Isso significa que o Brasil não apenas acompanha, mas lidera a transição energética em termos de participação de fontes limpas, reforçando sua posição estratégica no cenário global.


Dentro desse avanço, a energia solar e a eólica merecem destaque. Juntas, já respondem por cerca de 24% da eletricidade gerada no país, de acordo com a EPE, consolidando-se como os segmentos de crescimento mais acelerado do setor. Nos últimos dez anos, a geração eólica cresceu quase sete vezes, enquanto a solar saltou de uma presença quase simbólica para superar 41 GW de capacidade instalada, segundo dados da ABSOLAR e da ABEEólica. Esse ritmo coloca o Brasil entre os cinco países que mais instalam capacidade solar e eólica no mundo, atrás apenas de gigantes como China, Estados Unidos e Índia.


Esse crescimento, no entanto, não ocorre de forma homogênea no território nacional. Ele tem um forte recorte regional, beneficiando especialmente estados como Rio Grande do Norte, Ceará, Bahia, Minas Gerais e Piauí. Essas regiões, historicamente menos industrializadas, passam agora a ser vistas como polos estratégicos da nova economia da energia, atraindo investimentos bilionários em projetos solares, eólicos, híbridos e no emergente mercado de hidrogênio verde. Só o Ceará, por exemplo, já anunciou mais de 30 memorandos de entendimento com investidores internacionais interessados no hidrogênio verde, enquanto o Rio Grande do Norte vem estruturando um dos hubs mais promissores da América Latina.


Paralelamente, observa-se um movimento crescente de articulação regional em torno de clusters setoriais. Esses arranjos não se resumem à concentração geográfica de projetos: eles criam infraestrutura compartilhada, fortalecem cadeias de suprimento, estimulam políticas públicas coordenadas e promovem a formação de mão de obra especializada. O Cluster de Energias Renováveis do Ceará e o Hub de Hidrogênio Verde do RN são exemplos emblemáticos desse novo ciclo, em que a energia deixa de ser apenas um insumo e passa a atuar como motor de desenvolvimento econômico, inovação tecnológica e inclusão social.


Essa tendência também dialoga com experiências internacionais bem-sucedidas. Países que estruturaram clusters de inovação energética como a Dinamarca com a energia eólica offshore e a Alemanha com o hidrogênio verde colheram benefícios que vão muito além da geração elétrica, incluindo verticalização produtiva, exportação de tecnologia e liderança geopolítica em mercados emergentes. O Brasil, com sua matriz já altamente renovável e abundância de recursos naturais, encontra-se diante de uma janela histórica de oportunidade para seguir caminho semelhante.


O retrato atual é, portanto, ambíguo: de um lado, o país já possui vantagens competitivas claras para se tornar um líder global da transição energética; de outro, ainda precisa consolidar uma governança robusta, visão estratégica de longo prazo e integração regional que transformem potencial em realidade. A questão que se impõe não é se o Brasil pode liderar essa transformação, mas se terá a ousadia e a articulação necessárias para fazê-lo antes que outros assumam essa posição.


O peso das barreiras que ainda travam os clusters

Apesar do avanço das energias renováveis e da crescente articulação em torno de clusters, a construção de ecossistemas sólidos enfrenta obstáculos significativos que podem comprometer sua efetividade. Esses desafios não são apenas técnicos, mas institucionais, regulatórios e estratégicos, exigindo respostas coordenadas.

Um dos principais entraves é a fragmentação institucional.


Hoje, a ausência de governança intersetorial robusta e de agendas comuns entre entes públicos, setor privado, academia e investidores cria um ambiente marcado por iniciativas isoladas e pouco sinérgicas. Sem um modelo de governança claro, os clusters correm o risco de se multiplicar em formato, mas não em resultados. Estudos da IRENA (2023) mostram que países que conseguiram consolidar polos renováveis competitivos como Espanha e Dinamarca o fizeram a partir de estruturas de governança bem definidas e permanentes.


Outro desafio relevante é a infraestrutura defasada em territórios de alto potencial renovável. Segundo a EPE (2024), mais de 40 GW em novos empreendimentos renováveis já cadastrados aguardam capacidade de escoamento na rede de transmissão. Esse cenário evidencia que, sem uma estratégia nacional de infraestrutura integrada, a verticalização produtiva dificilmente será alcançada.


Há também o risco da baixa retenção de valor local. Sem políticas claras de conteúdo regional, clusters podem se tornar apenas zonas de passagem de grandes empreendimentos internacionais, com pouca geração de empregos qualificados e baixo dinamismo econômico sustentável. O exemplo de alguns polos industriais no Norte e Nordeste, que não conseguiram consolidar cadeias locais de suprimento, serve como alerta de que o potencial de atração de investimentos pode ser dissipado se não houver contrapartidas estratégicas.


A insegurança regulatória aparece como barreira central. A ausência de marcos legais definitivos para áreas críticas como hidrogênio verde, mercado de carbono e licenciamento ambiental gera incertezas que desestimulam investimentos de longo prazo. Estudo da BloombergNEF (2023) aponta que a clareza regulatória é o segundo fator mais decisivo na atração de capital para projetos de transição energética, atrás apenas da estabilidade macroeconômica.


Esses desafios deixam claro que o avanço dos clusters não depende apenas da abundância de recursos naturais ou do interesse de investidores. Exige sobretudo planejamento, alinhamento político e visão estratégica de longo prazo para transformar iniciativas promissoras em plataformas consolidadas de desenvolvimento regional e nacional.


Clusters como catalisadores da industrialização verde

Se os desafios são significativos, as oportunidades que os clusters de energias renováveis oferecem são ainda maiores. Quando estruturados de forma estratégica, eles não apenas ampliam a competitividade do setor, mas também funcionam como plataformas de desenvolvimento econômico, social e ambiental, capazes de reposicionar o Brasil como um ator central da transição energética global.


Uma das principais vantagens é a convergência de políticas públicas e privadas. Clusters bem-organizados criam um espaço onde metas climáticas, desenvolvimento econômico regional e geração de empregos qualificados se encontram em sinergia. A Agência Internacional de Energia Renovável (IRENA, 2023) destaca que ecossistemas integrados aumentam em até 30% a eficácia das políticas climáticas, justamente porque reduzem a fragmentação de esforços.


Outro ponto é a atração de capital internacional. Investidores estrangeiros têm buscado cada vez mais ecossistemas com governança clara, escala e previsibilidade. O Banco Mundial (2023) aponta que projetos vinculados a clusters energéticos têm maior chance de captar financiamentos multilaterais, pois oferecem redução de riscos e maior transparência. No Brasil, esse movimento já se observa em estados como Ceará e Rio Grande do Norte, que assinaram dezenas de memorandos de entendimento com empresas europeias e asiáticas para projetos de hidrogênio verde.


Há ainda o potencial de fomento à inovação e P&D. A proximidade entre universidades, empresas e centros tecnológicos permite que os clusters funcionem como laboratórios vivos, acelerando o desenvolvimento de soluções aplicadas e modelos de negócio competitivos. Experiências internacionais reforçam esse caminho: o cluster eólico dinamarquês, por exemplo, não apenas consolidou a liderança em geração offshore, mas transformou o país em exportador de tecnologia e know-how.


Outro vetor importante é a verticalização produtiva. Com incentivos adequados, clusters podem incluir desde a fabricação de componentes como torres, pás e painéis até serviços especializados em operação, manutenção, logística e qualificação técnica. Isso garante maior retenção de valor local e reduz a dependência de importações, fortalecendo a cadeia produtiva nacional.


Existe a oportunidade de valorização de ativos ambientais. Clusters alinhados a compromissos ESG e ao mercado de carbono podem capturar novas receitas e fortalecer a imagem internacional do Brasil como fornecedor de energia limpa e sustentável. Segundo a McKinsey (2024), o mercado global de créditos de carbono poderá movimentar até US$ 50 bilhões anuais até 2030, e ecossistemas integrados terão vantagem competitiva nesse ambiente.


Em síntese, os clusters não são apenas arranjos setoriais. Eles representam uma estratégia de desenvolvimento de longo prazo, capaz de transformar a transição energética em vetor de industrialização verde, inclusão social e liderança internacional. O Brasil, se souber explorar essas oportunidades, poderá ocupar um espaço de protagonismo raro em um mercado global que se reorganiza em torno da descarbonização.


Como transformar potencial em liderança global

Para que os clusters de energias renováveis cumpram seu papel de motores da industrialização verde, não basta contar com abundância de recursos ou interesse de investidores. É necessário estruturar um conjunto de ações estratégicas que alinhem atores, fortaleçam cadeias produtivas e deem previsibilidade à transição energética. Abaixo, destacam-se cinco recomendações fundamentais:


1. Criar mecanismos de governança multissetorialUm cluster só é efetivo quando reúne de forma coordenada governo, setor privado, investidores, universidades e comunidades locais. Experiências internacionais mostram que a governança é a espinha dorsal de ecossistemas bem-sucedidos. A IRENA (2023) aponta que países que estruturaram conselhos permanentes de governança obtiveram 20% mais investimentos em média do que aqueles sem instâncias formais de coordenação. No Brasil, a criação de comitês estaduais de transição energética pode ser um primeiro passo nessa direção.


2. Mapear e priorizar territórios estratégicosO avanço desordenado pode comprometer o potencial dos clusters. É essencial priorizar regiões com alto potencial energético, infraestrutura existente e capital humano disponível. Estados do Nordeste já reúnem vantagens naturais e portuárias, enquanto Minas Gerais desponta no solar distribuído. Um mapeamento nacional integrado, conduzido pela EPE em parceria com governos estaduais, permitiria evitar sobreposição de investimentos e maximizar sinergias regionais.


3. Estabelecer políticas de incentivos vinculadas ao valor localSem metas claras de conteúdo regional, há risco de clusters se tornarem apenas pontos de exportação de energia. Incentivos devem estar atrelados à geração de valor no território, com foco em capacitação, inovação e participação de empresas locais. Relatório da McKinsey (2024) destaca que políticas de conteúdo local podem aumentar em até 40% a retenção de valor econômico em regiões exportadoras de energia limpa.


4. Atrair âncoras industriais e tecnológicasPara além da geração de energia, é estratégico conectar clusters à demanda real, atraindo setores que utilizem essa energia limpa em larga escala, como green steel, hidrogênio verde, mobilidade elétrica e química verde. Esse movimento garante verticalização produtiva e transforma os clusters em polos de industrialização sustentável, não apenas em plataformas de exportação de commodities energéticas. O caso da Alemanha, que já integra hubs de hidrogênio verde com sua indústria siderúrgica, é um exemplo de referência.


5. Articular fontes de financiamento mistoA implantação da infraestrutura crítica linhas de transmissão, gasodutos, zonas portuárias e redes digitais exige um volume de capital que dificilmente será suprido apenas por recursos públicos. A combinação de financiamento nacional, internacional e privado é fundamental. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID, 2023) reforça que modelos de blended finance podem reduzir em até 35% os riscos percebidos pelos investidores privados em projetos de energia limpa.

Essas recomendações não são apenas uma lista de intenções, mas um plano de ação estruturado que pode transformar clusters de iniciativas isoladas em plataformas de desenvolvimento sustentável e competitivo. O Brasil dispõe de todos os ingredientes para liderar a industrialização verde global. A questão central é: teremos a coragem política e a visão estratégica para coordenar esse processo antes que outros países ocupem esse espaço?


O tempo de esperar acabou: o Brasil precisa escolher seu lugar na transição

Clusters de energias renováveis não podem ser vistos apenas como arranjos espaciais ou zonas de concentração de projetos. Eles são plataformas de desenvolvimento estratégico para o século XXI, capazes de redefinir a lógica produtiva do país. Ao conectar governo, empresas, investidores, universidades e comunidades em torno de objetivos comuns, os clusters criam um terreno fértil para a inovação, a industrialização verde e a geração de valor compartilhado que transcende fronteiras regionais.


Mas, para que cumpram esse papel de forma estruturante, não basta entusiasmo ou discurso. É preciso visão de longo prazo, clareza regulatória e coragem política para integrar sustentabilidade, competitividade e inclusão territorial em um mesmo projeto de nação. O Brasil reúne condições únicas: abundância de recursos, matriz elétrica altamente renovável e regiões que já despontam como polos naturais da transição energética.


Aqui falo não apenas como analista, mas como alguém que vivencia diariamente os avanços e entraves do setor. O que vejo é uma oportunidade rara e, ao mesmo tempo, um risco iminente. Se não estruturarmos esses ecossistemas agora, com governança e ambição, corremos o risco de assistir ao mesmo filme já visto em outros ciclos econômicos: abundância de recursos, mas baixo valor agregado e perda de protagonismo internacional.


A escolha, portanto, é simples e urgente: ou o Brasil assume a liderança da industrialização verde global por meio de clusters bem estruturados, ou será apenas fornecedor periférico de energia limpa para outros países que souberam se organizar melhor.


O tempo de esperar acabou. Como especialista no setor, minha convicção é clara: o futuro energético do Brasil será definido pela nossa capacidade de transformar potencial em liderança  e essa liderança começa pela coragem de estruturar os clusters hoje.


Sobre a autora 

Laís Víctor é especialista em energias renováveis e diretora executiva de parcerias, com 14 anos de atuação no setor de energia. Sua atuação inclui o desenvolvimento de negócios, estruturação de alianças estratégicas e apoio à atração de investimentos para projetos de transição energética, com foco na construção de ecossistemas sustentáveis e inovação no mercado global de renováveis. 


Clusters de energias renováveis conectando governo, empresas e investidores para acelerar a transição

2 comentários

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Ravitech Projetos
há 8 horas
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Parabéns pelo excelente tema abordado, Laís!

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João Oliveira
há 11 horas
Avaliado com 5 de 5 estrelas.

Olá, que legal Laís, parabéns ótimo artigo.

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