A Omissão Institucional e o Desrespeito à Lei 12.305/2010
- EnergyChannel Brasil
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Por Sebastião Carlos Martins
A Omissão Institucional e o Desrespeito à Lei 12.305/2010: Atrasos na Transição Energética e Climática Brasileira

1. Introdução: a urgência de cumprir a Lei
Passados mais de treze anos desde a promulgação da Lei nº 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o Brasil ainda convive com um cenário alarmante: a maioria dos municípios brasileiros continua enviando seus resíduos sólidos urbanos (RSU) diretamente para aterros sanitários, contrariando frontalmente o art. 9º da PNRS, que determina que a destinação final deve ser o último recurso e apenas para rejeitos sem aproveitamento tecnológico possível.
Essa negligência representa não apenas descumprimento legal, mas também falha grave de gestão pública, uma vez que impede o aproveitamento energético, industrial e econômico dos RSU, viola os princípios constitucionais de eficiência e responsabilidade administrativa (art. 37 da Constituição Federal) e gera prejuízos diretos à sociedade, ao meio ambiente e à economia nacional.
2. A responsabilidade legal e o dever de agir
A Lei 12.305/2010 e o Novo Marco do Saneamento (Lei 14.026/2020) são explícitos: prefeitos e governadores são responsáveis diretos pela destinação ambientalmente adequada dos resíduos sólidos. O não cumprimento dessa obrigação pode configurar ato de improbidade administrativa, sujeito à responsabilização pelos órgãos de controle.
Do mesmo modo, o Tribunal de Contas da União (TCU) e os Ministérios Públicos Federal e Estaduais (MPF e MPE) possuem o dever institucional de fiscalizar e assegurar o cumprimento da PNRS, garantindo que os recursos públicos destinados à gestão de resíduos não perpetuem práticas ineficientes e contrárias à lei. A omissão desses órgãos contribui para o agravamento da crise ambiental e energética nacional.
Quando TCU e MP deixam de agir, tornam-se coniventes com um modelo de gestão ultrapassado, que transforma o RSU — um ativo energético e industrial de alto valor em passivo ambiental e fonte de emissão contínua de gases de efeito estufa.
3. As consequências econômicas e ambientais da omissão
A persistência do modelo de deposição em aterros implica perdas irreparáveis para o país:
Desperdício energético e industrial: os RSU possuem poder calorífico suficiente para gerar biocombustíveis sustentáveis (SAF, biodiesel, etanol 2G), hidrogênio verde e fertilizantes organominerais, transformando lixo em riqueza.Esgotamento prematuro de aterros e contaminação do solo e da água, com altos custos municipais de remediação e saúde pública.
Emissões desnecessárias de metano e CO₂, contrariando compromissos internacionais de descarbonização e os princípios da transição energética justa.
Perda de competitividade econômica, pois o Brasil deixa de aproveitar um recurso renovável e abundante, dependente apenas de gestão técnica e institucional.
Enquanto isso, países que cumprem suas leis ambientais e valorizam os resíduos como insumo energético avançam em direção a economias circulares e sustentáveis, captando investimentos verdes e reduzindo suas emissões líquidas.
4. A oportunidade tecnológica e a prova de viabilidade
A DBEST PLAN – Eng. e Tecnologia da Informação, em seus estudos de viabilidade econômica e financeira, demonstraram que a valorização energética do RSU é tecnicamente comprovada e financeiramente atrativa. Utilizando rotas como gaseificação, pirólise catalítica e síntese de Fischer-Tropsch, é possível produzir SAF e coprodutos industriais com Taxas Internas de Retorno (TIR) superiores a 20% ao ano e paybacks médios de 6 a 8 anos, quando o projeto é financiado com recursos internacionais a juros próximos de 3% a.a.
Além disso, a aplicação da Simulação de Monte Carlo ferramenta probabilística que mensura a variação de CAPEX, OPEX, produtividade e preço garante transparência e confiabilidade técnica às análises de risco, oferecendo aos investidores e financiadores um retrato realista da atratividade econômica dos projetos.
Essas soluções são sustentáveis, replicáveis e capazes de transformar os RSU em fonte estratégica de energia limpa, atendendo simultaneamente às agendas ambiental, industrial, social e energética do país.
5. A falsa solução do biogás e o equívoco do biometano
Nos últimos anos, observa-se a adoção crescente de projetos de produção de biometano a partir do biogás gerado em aterros sanitários. Embora essa prática reduza parcialmente as emissões de metano e contribua para mitigar impactos ambientais, trata-se de uma solução de baixa eficiência energética e alto custo logístico, pois depende de captação limitada e transporte caro até pontos de consumo ou injeção em gasodutos.
Em contrapartida, as Unidades de Recuperação de Energia (UREs) que processam o RSU na origem permitem o aproveitamento integral da biomassa urbana, produzindo biocombustíveis líquidos de alto valor agregado (como SAF e diesel sintético) e fertilizantes organominerais insumos estratégicos para a segurança alimentar e energética do país.
A insistência em priorizar o aproveitamento energético apenas dos gases dos aterros, em vez da valorização integral do RSU, parece atender aos interesses de um sistema consolidado em torno da manutenção dos aterros sanitários, perpetuando contratos, concessões e receitas que pouco contribuem para a verdadeira transição energética brasileira.
Ainda que o aproveitamento do biogás seja ambientalmente atenuante, ele não cumpre o espírito nem a letra da Lei 12.305/2010, que determina o máximo aproveitamento energético e industrial dos resíduos sólidos urbanos, antes que se considere qualquer disposição final em aterros.
6. O chamado à responsabilidade institucional

O Brasil possui tecnologia, competência e capacidade técnica para transformar um problema urbano em uma solução energética estratégica. Falta, porém, vontade política e fiscalização efetiva.
É dever dos TCU, MPF, MPE, governadores e prefeitos garantir o cumprimento da Lei 12.305/2010, promovendo a destinação adequada dos resíduos sólidos urbanos com aproveitamento energético e produtivo. A sociedade brasileira não pode mais arcar com o custo de omissões institucionais que comprometem o futuro ambiental e econômico do país.
7. Conclusão: a omissão que custa o futuro
A não aplicação da PNRS e a ausência de fiscalização efetiva são hoje as principais causas do atraso da transição energética, climática e ambiental no Brasil. Essa omissão, disseminada entre administrações municipais e estaduais e tolerada pelos órgãos de controle, perpetua o desperdício de recursos, a emissão de poluentes e a estagnação de políticas públicas sustentáveis.
A COP30 é a oportunidade para expor essa verdade: a transição energética não depende apenas de tecnologia, mas de cumprimento da lei, responsabilidade institucional e vontade política.
Enquanto prefeitos, governadores, o TCU e o MP permanecerem inertes e o país continuar tratando o biogás como solução final em vez de alternativa intermediária, o potencial energético do RSU continuará sendo desperdiçado, e a sociedade brasileira seguirá arcando com os custos sociais, econômicos e ambientais dessas omissões.
Eng. Sebastião Carlos MartinsCEO – DBEST PLAN – Eng. e Tecnologia da InformaçãoEspecialista em Análise de Viabilidade Econômico-Financeira de Projetos de Energia Limpa
A Omissão Institucional e o Desrespeito à Lei 12.305/2010

























