IMPACTO DAS PREVISÕES DE AFLUÊNCIA E DEMANDA NO PLD E PREÇOS DO MERCADO LIVRE NO BRASIL ATÉ 2029
- Arthur Oliveira

- 25 de jul.
- 9 min de leitura
Por Arthur Oliveira

Na minha visão, o setor elétrico brasileiro atravessa um momento particularmente
desafiador para manter o equilíbrio entre oferta e demanda de energia. As mudanças
climáticas, o crescimento constante da demanda sobretudo nos horários de pico
e a expansão acelerada do mercado livre (ACL) têm colocado em xeque a
previsibilidade e a estabilidade dos preços. O Preço de Liquidação das Diferenças (PLD)
e os valores praticados no ACL são fortemente impactados pelas previsões de afluência
natural de energia (NIE), que, infelizmente, têm se mostrado excessivamente otimistas.
Esse otimismo é ainda mais preocupante quando somado ao avanço do consumo por
data centers, que exercem forte pressão sobre o sistema no horário de maior carga.
Diante disso, considero de extrema relevância analisar os efeitos do viés otimista nas
previsões de NIE — conforme evidenciado no estudo “Assessing the Optimistic Bias in
the Natural Inflow Forecasts: A Call for Model Monitoring in Brazil” — e também as
projeções de carga e demanda contidas no Plano da Operação Energética (PEN 2025).
A combinação desses fatores já afeta o PLD e os preços no ACL, e tende a trazer
consequências ainda mais severas até 2029, especialmente no enfrentamento da
demanda de pico.

CONTEXTO DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO MATRIZ ENERGÉTICA E DEPENDÊNCIA HIDRELÉTRICA
O Brasil depende de hidrelétricas para cerca de 60% de sua eletricidade, o que torna a
previsão da quantidade de água nos reservatórios (afluência natural de energia, ou NIE)
essencial para o planejamento energético. No entanto, mudanças climáticas, como
secas prolongadas, e o crescimento da demanda, especialmente em horários de pico,
desafiam a capacidade do sistema de manter preços estáveis e atender a todos os
consumidores.
MODELOS DE PREVISÃO: PARp E PARp-A
Os modelos PARp (Periodic Autoregressive Model) e PARp-A são ferramentas
matemáticas usadas para prever quanta água chegará aos reservatórios com base
em dados históricos, como chuvas passadas. O PARp analisa padrões mensais de
afluência, enquanto o PARp-A adiciona a média das afluências dos últimos 12 meses
para tentar captar mudanças recentes. Ambos assumem que os padrões de chuva não
mudam muito ao longo do tempo, mas o estudo no qual foi baseado este artigo,
mostra que eles superestimam a quantidade de água, especialmente em períodos
de seca, devido a mudanças climáticas que reduzem as afluências.
IMPACTOS DAS PREVISÕES DE AFLUÊNCIA NO PLD E NO ACL
VIÉS OTIMISTA NAS PREVISÕES DE NIE
O estudo identificou que os modelos PARp e PARp-A superestimam a NIE, com vieses
acumulados de 110,07 GW no Sudeste e 49,18 GW no Nordeste em 24 meses. Esse
“otimismo” faz o sistema acreditar que há mais água disponível do que realmente existe,
reduzindo o custo calculado da água no curto prazo. Isso leva a um maior uso dos
reservatórios, mas, quando as chuvas previstas não se concretizam, é necessário
acionar usinas térmicas, que são mais caras, elevando o PLD e impactando os preços
no mercado livre.
VOLATILIDADE DO PLD E SEUS EFEITOS NO ACL
O PLD, que define o preço da energia no mercado de curto prazo, varia com base na
oferta (como a quantidade de água nos reservatórios) e na demanda. Previsões
superestimadas de NIE causam maior volatilidade no PLD, especialmente durante a
estação seca (maio a novembro), quando as afluências são menores. No mercado livre
(ACL), onde empresas negociam energia diretamente com geradores, essa volatilidade
afeta os preços dos contratos, com os seguintes impactos:
a) Contratos de curto prazo mais caros: Consumidores livres ficam expostos a
picos de preço no PLD, especialmente em períodos de seca, como no Nordeste
em 2024, onde reservatórios menos cheios elevam os custos de energia.
b) Contratos de longo prazo mais caros e com prêmios de risco: Para cobrir a
incerteza do PLD, é necessário que comercializadoras incluam margens de
segurança maiores, encarecendo a energia para consumidores livres, como
indústrias, petroquímicas, mineração, varejo e serviços. Essa prática é
essencial para a sustentabilidade financeira do mercado, pois protege as
comercializadoras contra oscilações imprevisíveis do PLD. Empresas que
não adotam prêmios de risco adequados correm grande risco de entrar em
recuperação judicial, como já observado em casos de comercializadoras
que subestimaram os riscos de mercado. Para consumidores, esses
contratos mais caros significam maior previsibilidade, mas também custos
operacionais elevados, impactando a competitividade, especialmente em
setores intensivos em energia, como mineração e petroquímicas.
c) Impacto em data centers: Com o consumo subindo de 81 MW em 2025 para
574 MW em 2029, data centers enfrentam custos mais altos no ACL devido à
volatilidade do PLD, especialmente no horário de pico (19h-20h), quando a
dependência de térmicas é maior.
d) Limitação na migração para o ACL: Além da MP 1.300,a incerteza e os preços
mais altos podem desencorajar novos consumidores, a migrar do mercado
regulado para o ACL, apesar do crescimento projetado.
IMPORTÂNCIA DA DEFLUÊNCIA NA PRECISÃO DAS PREVISÕES
A meu ver, a defluência – a água liberada dos reservatórios para gerar energia ou
vertida sem aproveitamento – é um elemento tão crucial quanto a afluência para o
planejamento energético no Brasil, e sua inclusão nos modelos de previsão traria
benefícios significativos. Afluências superestimadas, como apontado no estudo,
levam a decisões de liberar mais água (maior defluência), esvaziando reservatórios mais
rápido do que o necessário. Isso força o uso de usinas térmicas, que são mais caras,
elevando o PLD e, consequentemente, os preços no ACL. Integrar a defluência em
modelos como PARp e PARp-A permitiria estimar com maior precisão os níveis
dos reservatórios e os custos operacionais, especialmente no horário de pico
(19h-20h), quando a demanda exige ajustes finos na liberação de água.
Por exemplo, prever a defluência ajudaria a evitar o esgotamento precoce dos reservatórios, reduzindo a dependência de térmicas e estabilizando os preços, o que é crítico para consumidores livres, como data centers, que enfrentarão uma demanda crescente até 2029.
No entanto, incorporar a defluência não é isento de desafios. A defluência depende de
decisões operativas do Operador Nacional do Sistema (ONS), que considera
variáveis como demanda, custo de térmicas e regras de otimização do Stochastic
Dual Dynamic Programming (SDDP). Essas decisões variam por usina, tornando a
modelagem em escala nacional complexa. Além disso, os dados de defluência são
menos padronizados que os de afluência, exigindo maior esforço para coleta e
integração nos modelos. Apesar dessas dificuldades, acredito que o investimento em
modelos que combinem afluência e defluência, como simulações baseadas em
cenários operativos, traria uma visão mais realista do sistema, reduzindo
incertezas no PLD e nos preços do ACL. Isso seria especialmente benéfico para
atender demandas crescentes, como a de data centers, garantindo maior segurança
energética e custos mais previsíveis.
IMPACTOS ECONÔMICOS
a) Aumento dos custos operacionais: Usinas térmicas, que usam gás natural,
carvão ou óleo, são mais caras que hidrelétricas. Em 2023, a demanda por gás
natural caiu 0,7% devido a chuvas favoráveis, mas secas futuras podem
aumentar o uso de térmicas, elevando o PLD.
b) Pressão sobre os preços no ACL: Consumidores livres, como indústrias e
empresas de serviços, enfrentam maior risco financeiro com a alta do PLD,
especialmente em contratos de curto prazo. Isso pode limitar a migração para o
ACL, apesar do crescimento esperado até 2029.
c) Impacto nos consumidores finais: No mercado regulado, o aumento do PLD
eleva as tarifas de energia para residências e pequenas empresas. No ACL,
indústrias e serviços, que representam grande parte da demanda, podem
enfrentar custos mais altos, reduzindo sua competitividade.
AUMENTO DA DEMANDA E DESAFIOS NO HORÁRIO DE PICO
CRESCIMENTO DA CARGA GLOBAL
O Plano da Operação Energética (PEN 2025) projeta um aumento de 14,1% na carga
global até 2029, de 82.871 MW médios para 94.573 MW, com a demanda máxima
subindo 15,5%, de 108.131 MW para 124.879 MW. Esse crescimento é impulsionado
pela eletrificação de setores como transporte e indústria, além do aumento exponencial
no consumo de data centers, que passará de 81 MW médios em 2025 para 574 MW em
2029.
RAMPA DE CARGA NO HORÁRIO DE PICO
Entre 13h e 19h, a demanda de energia aumenta rapidamente, atingindo uma rampa de
60 GW, com o pico entre 19h e 20h. Nesse horário, a energia solar, que está crescendo
na matriz brasileira, não está disponível, forçando o uso de fontes flexíveis, como usinas
térmicas a gás. A energia eólica, concentrada no Nordeste, também é menos eficaz à
noite, quando a demanda é alta, o que agrava a dependência de térmicas.
IMPACTO DOS DATA CENTERS
O crescimento do consumo de data centers, impulsionado por inteligência artificial e
computação em nuvem, adiciona uma demanda significativa. Empresas como Amazon
e Microsoft estão expandindo data centers no Brasil, atraídas pela matriz renovável, mas
o consumo concentrado em horários de pico exige fontes dispatchable (como térmicas)
ou soluções de armazenamento, que ainda são limitadas no país.
CONSEQUÊNCIAS PARA O PLD E O ACL ATÉ 2029
AUMENTO DA VOLATILIDADE DO PLD
O aumento da demanda, combinado com previsões otimistas de NIE, deve elevar a
volatilidade do PLD, especialmente em períodos de seca. O PLD horário, implementado
em 2021, reflete melhor as variações de oferta e demanda, mas aumenta os picos de
preço em horários de alta demanda. Em 2024, o PLD no Nordeste pode ser mais alto
devido a reservatórios menos cheios, enquanto no Sul, chuvas maiores podem conter
os aumentos.
PRESSÃO SOBRE OS PREÇOS NO ACL
No ACL, os preços negociados devem subir devido à incerteza do mercado. Contratos
de longo prazo podem incluir prêmios de risco mais altos para cobrir a volatilidade do
PLD e os custos do despacho térmico. A expansão do ACL, com mais consumidores
migrando do mercado regulado, aumenta a demanda por energia, pressionando os
preços, especialmente em horários de pico. Estratégias como gerenciamento de
demanda e contratos híbridos (misturando fontes renováveis e térmicas) podem ajudar,
mas exigem maior sofisticação nos contratos.
DEPENDÊNCIA DE FONTES TÉRMICAS
A necessidade de fontes flexíveis para atender o pico de consumo reforça a
dependência de usinas térmicas. Em 2023, as térmicas a gás natural tinham 11.026 MW
de capacidade instalada, e sua produção está crescendo, especialmente com gás do
pré-sal. No entanto, isso aumenta as emissões de CO2, desafiando as metas de
descarbonização do Brasil (net-zero até 2050 e eliminação de térmicas a carvão até
2040), além de elevar o PLD e os preços no ACL.
PROVÁVEIS SOLUÇÕES
1- MELHORIA DAS PREVISÕES DE NIE
A adoção de modelos mais precisos, como XGBoost e Prophet, que superaram o PARp
e o PARp-A em testes, pode reduzir o viés otimista nas previsões de afluência. O
Operador Nacional do Sistema (ONS) e a Câmara de Comercialização de Energia
Elétrica (CCEE) devem implementar monitoramento mensal do viés, com relatórios
regulares para ajustar previsões e minimizar impactos no PLD, garantindo maior
estabilidade nos preços do ACL.

2- INVESTIMENTO EM SISTEMAS DE ARMAZENAMENTO DE ENERGIA (BESS)
Sistemas de armazenamento de energia em baterias (BESS, ou Battery Energy Storage
Systems) são essenciais para reduzir a dependência de usinas térmicas, especialmente
no horário de pico (19h-20h), quando a geração solar não está disponível. O BESS
permite armazenar energia gerada por fontes renováveis, como solar e eólica, durante
períodos de alta produção para uso em momentos de maior demanda. Investir em
BESS, como baterias de íon-lítio, pode estabilizar a oferta de energia, reduzir picos de
preço no PLD e oferecer aos consumidores livres no ACL uma alternativa mais barata e
sustentável em comparação com o despacho térmico.

3- AUTOPRODUÇÃO DE ENERGIA POR LOCAÇÃO DE ATIVOS
A autoprodução de energia por locação de ativos é uma solução promissora para
grandes consumidores no ACL, como data centers, indústrias petroquímicas, mineração
que enfrentam alta demanda no horário de pico. Nesse modelo, consumidores alugam
usinas solares ou eólicas, pagando apenas pelo aluguel e serviços de operação e
manutenção, sem necessidade de investimento inicial. Empresas especializadas como
a COC ENERGIA oferecem contratos que podem garantir SIGNIFICATIVA
ECONOMIA nos custos da conta de energia, com a possibilidade de integrar BESS
para armazenar energia gerada durante o dia para uso à noite, reduzindo ainda mais o
valor da conta e exposição à volatilidade do PLD. Consequentemente, oferta
flexibilidade e menor risco financeiro, além de alinhamento com critérios ESG
(ambiental, social e governança). Resumindo, é a melhor opção para grandes
consumidores.

4- EXPANSÃO DA TRANSMISSÃO E SMART GRIDS
O investimento de US$ 20 bilhões em transmissão até 2029, conforme o PDE 2029, é
crucial para conectar fontes renováveis aos centros de consumo, reduzindo perdas e
gargalos na rede. Redes inteligentes (smart grids), ainda distantes da nossa realidade
econômica, poderiam otimizar a gestão da demanda, integrando fontes renováveis e
BESS, e contribuir para a estabilidade do PLD, beneficiando os consumidores do ACL.

5- INCENTIVO À RESPOSTA À DEMANDA
Programas de demand response podem suavizar a rampa de carga no horário de pico,
especialmente no ACL. A regulação deve incentivar esses programas, permitindo que
consumidores livres, como indústrias e data centers, reduzam o consumo em momentos
de preços altos no PLD, diminuindo custos e aliviando a pressão sobre o sistema.
CONCLUSÃO
Na minha avaliação, o viés otimista nas previsões de NIE, somado ao crescimento
constante da demanda especialmente provocado pelos data centers e à
necessidade crítica de atendimento ao pico de consumo entre 19h e 20h, vai gerar
impactos significativos no PLD e nos preços praticados no ACL até 2029. A tendência é
clara: maior volatilidade do PLD, aumento do uso de usinas térmicas e consequente
pressão sobre os preços da energia para consumidores livres.
Vejo que, diante desse cenário, torna-se urgente investir em modelos de previsão mais
precisos, implementar sistemas de armazenamento de energia (BESS), expandir a
autoprodução por locação de ativos, reforçar a infraestrutura de transmissão e
incentivar mecanismos de resposta à demanda. Essas medidas não são apenas
desejáveis — são indispensáveis para garantir segurança energética, conter a alta de
custos e permitir que o Brasil avance de forma sustentável, econômica e
ambientalmente responsável, rumo aos compromissos de descarbonização assumidos
até 2050.
Fontes:
• BRIGATTO, A. et al. Avaliando o viés otimista nas previsões de fluxo natural:
uma chamada para monitoramento de modelos no Brasil. IEEE Transactions on
Energy Markets, Policy and Regulation, 2025. DOI:
10.1109/TEMPR.2025.3588313. Primeira versão dos autores disponível em
2023.
• Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Plano da Operação Energética (PEN
2025). Brasil, 2025.
• Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Plano Decenal de Expansão de
Energia (PDE 2029). Brasil, 2020.
IMPACTO DAS PREVISÕES DE AFLUÊNCIA E DEMANDA NO PLD E PREÇOS DO MERCADO LIVRE NO BRASIL ATÉ 2029





























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