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Justiça Energética no Brasil: Desafios para Além do Acesso Universal

Por Prof. Fernando Caneppele - USP


Justiça Energética no Brasil: Desafios para Além do Acesso Universal
Justiça Energética no Brasil: Desafios para Além do Acesso Universal

O Brasil se orgulha, com razão, de ter alcançado a quase universalização do acesso à energia elétrica. Programas como o Luz para Todos levaram infraestrutura a rincões remotos, conectando milhões de brasileiros e cumprindo uma meta essencial de desenvolvimento do século XX. Contudo, em agosto de 2025, enquanto nos preparamos para sediar a COP30 e debater o futuro do clima, somos confrontados por uma verdade inconveniente: ter a lâmpada no teto não representa a saída da escuridão. A discussão sobre energia no Brasil precisa urgentemente amadurecer para além do acesso, encarando o desafio do século XXI: a justiça energética. 


Este conceito, muito mais complexo, nos obriga a questionar como a energia chega, para além de sua simples disponibilidade. A que custo? Com qual qualidade? E, fundamentalmente, quem participa das decisões que definem seu preço e sua disponibilidade? A resposta a essas perguntas revela uma profunda desigualdade e um fardo desproporcional sobre os ombros da população mais pobre.


A Anatomia da Pobreza Energética


É preciso, antes de tudo, reconhecer um problema por muito tempo invisível: a pobreza energética. Estudos de institutos independentes e acadêmicos estimam que, no Brasil, cerca de 25% da população compromete mais de 10% de sua renda com gastos de energia, somando a eletricidade e o gás de cozinha. Viver em pobreza energética significa ter de fazer escolhas diárias dramáticas: pagar a conta de luz ou comprar comida? Significa também arcar com custos indiretos da má qualidade do serviço, como eletrodomésticos queimados por picos de tensão e a perda de alimentos por apagões frequentes, além da exclusão de oportunidades educacionais e econômicas que dependem de uma conexão estável.


O reconhecimento oficial deste desafio avança. Em maio deste ano, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) lançou o Observatório Brasileiro de Erradicação da Pobreza Energética (OBEPE), uma plataforma que visa criar um diagnóstico multidimensional do problema, considerando renda, escolaridade, moradia e clima. A iniciativa é crucial ao formalizar que a justiça energética é indissociável da política social.


O Peso Oculto na Tarifa de Energia

Para milhões de brasileiros, a conta de luz se tornou uma fonte de angústia crescente. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) projeta um reajuste médio das tarifas de 6,3% para 2025, um índice que supera as previsões de inflação. O principal vetor dessa pressão não vem do custo da geração hidrelétrica ou da transmissão, mas de um componente complexo e pouco transparente para o consumidor: a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).


Para 2025, o orçamento da CDE foi fixado em impressionantes R$ 49,2 bilhões, dos quais cerca de R$ 46,8 bilhões serão pagos diretamente por todos os consumidores através de suas faturas. Esta conta gigantesca financia diversas políticas públicas, mas sua estrutura levanta sérias questões de equidade. No orçamento deste ano, por exemplo, o aumento é impulsionado por subsídios a fontes incentivadas (que beneficiam majoritariamente grandes consumidores no mercado livre), à micro e minigeração distribuída (concentrada nas classes de maior renda) e à Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), que subsidia a geração termelétrica cara nos sistemas isolados.


Dessa forma, a CDE tornou-se um mecanismo de subsídios cruzados onde o consumidor de baixa renda, cativo da distribuidora local, ajuda a pagar por benefícios que, muitas vezes, não usufrui. Essa estrutura torna a tarifa de energia um dos tributos mais regressivos do país, pesando desproporcionalmente no orçamento dos mais pobres.

Proteção Social: A Tarifa Social é a Solução?


Em resposta a essa realidade, o principal mecanismo de proteção é a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE). Houve avanços notáveis neste campo. Desde julho de 2025, por força da Medida Provisória nº 1.300, o programa passou a oferecer um desconto de 100% na parcela de consumo da fatura para famílias de baixa renda que consomem até 80 kWh por mês. A iniciativa tem potencial para beneficiar cerca de 60 milhões de pessoas inscritas no Cadastro Único — embora o número efetivo de atendidos dependa de atualização cadastral e outros requisitos.


A TSEE, contudo, merece uma análise crítica. O desconto não zera a conta, pois não incide sobre impostos e a taxa de iluminação pública. Adicionalmente, apesar da inscrição automática, barreiras burocráticas persistem: milhões de famílias elegíveis podem não ser contempladas por terem o cadastro desatualizado ou a conta de luz em nome do proprietário do imóvel alugado. O ponto central é que a Tarifa Social funciona como um analgésico necessário para uma doença estrutural. Ela alivia o sintoma (a conta alta), mas não ataca a causa (uma estrutura tarifária inflada por subsídios regressivos). Sem uma reforma na CDE, a TSEE será sempre uma política paliativa custeada, em parte, por consumidores que estão apenas um degrau acima da linha de pobreza.


A Urgência de uma Governança Inclusiva

A governança representa o pilar final e talvez mais complexo da justiça energética. As decisões que definem o futuro do setor elétrico — e o preço da nossa conta de luz — são tomadas em arenas altamente técnicas e distantes do cidadão comum, como as consultas públicas da ANEEL, que registram baixa participação dos consumidores. A proposta do Ministério de Minas e Energia de avançar com uma reforma focada em “justiça tarifária e liberdade do consumidor” e a abertura total do mercado prevista para os próximos anos são movimentos bem-vindos, mas que carregam riscos.


Uma maior “liberdade” para os grandes consumidores migrarem para o mercado livre pode, se mal implementada, deixar os custos do sistema legado e os encargos da CDE ainda mais concentrados sobre os pequenos consumidores cativos, justamente os mais vulneráveis.A promoção da justiça energética passa, obrigatoriamente, pela democratização da governança do setor. Isso implica fortalecer os conselhos de consumidores, traduzir o “tecniquês” regulatório para uma linguagem acessível e criar canais de participação efetiva para que a voz de quem mais sofre com o peso da tarifa seja ouvida. A transição energética para fontes renováveis só será verdadeiramente justa se os seus custos e benefícios forem compartilhados de forma equitativa, e não há como garantir isso sem a participação ativa de toda a sociedade.


A universalização do acesso foi uma vitória da engenharia e da política pública. O desafio que se apresenta agora é qualitativo e muito mais profundo. Ele nos chama a integrar a política energética à política social, a reformar estruturas de custo anacrônicas e a garantir que cada brasileiro se torne um cidadão com voz ativa na construção de um futuro energético seguro, limpo e, acima de tudo, justo para todos.


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Fabrício
14 de ago.

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